No frio russo, um pai teve a oportunidade de, durante 45 minutos, levar calor à filha de 21 anos, que está presa com a bióloga brasileira Ana Paula Maciel e outros 28 ativistas do Greenpeace na cidade de Murmansk. Trata-se do pai da argentina Camila Speziale, Néstor Speziale, que retornou a Buenos Aires na quarta-feira e na quinta, um dia depois, conversou por telefone com Zero Hora.
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Speziale conta que abraçou a filha e chorou com ela. De certa forma, porém, acalmou-se ao vê-la. Considerou satisfatório o local onde Camila está presa e a sentiu bem estruturada emocionalmente.
Os ativistas tripulavam o Arctic Sunrise, barco do Greenpeace abordado pela polícia russa em 19 de setembro quando protestavam contra a exploração petrolífera no Ártico. Os 30 estão presos preventivamente por dois meses, acusados de vandalismo.
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Leia trechos da entrevista:
Zero Hora – Como está Camila?
Néstor Speziale – Camila está bastante protegida, a estão tratando bem. Está animada, mas, claro, com muita saudade da família.
ZH – Como é a prisão?
Speziale – A prisão é para pessoas que estão detidas temporariamente, não é como um presídio, de presos já condenados. Não que isso queira dizer que é linda. De fora, é uma imagem bastante triste. Dentro, as celas são limpas, bem organizadas, e estive com Cami em uma sala, onde pudemos compartilhar contato direto e um abraço, sem vidros que nos separassem. Não é um lugar ruim, digamos.
ZH – O senhor teve algum contato com a brasileira Ana Paula Maciel?
Speziale – Não, não pude. A visita, primeiro, ocorre depois de um trâmite muito longo. Depois, foi só com a Camila. Mas o que sei é que Ana Paula está tranquila. Sei que as mulheres estão cada uma em uma peça, diferente dos homens, que têm de compartilhar as celas.
ZH – Elas não se comunicam entre si?
Speziale – Não, elas não se comunicam. Passam o tempo sozinhas. Em alguns momentos, vão a algum lugar onde podem escutar as vozes uns dos outros, mas não se veem.
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ZH – Qual foi sua sensação ao ver a filha?
Speziale – Para mim, o importante era vê-la e saber como estava. Foi bom vê-la fortalecida. Por outro lado, foi algo bem duro. Foi um momento em que ela finalmente pôde ver alguém da família, e isso é importante. Mas ela está sozinha. Recomendo a todos os familiares que, quando forem, fiquem bastante tempo. Nós nos vimos durante 45 minutos. O momento foi muito emocionante, o abraço foi longo, eu tratei de transmitir para ela as coisas que estão ocorrendo do lado de fora da prisão. Mostrei cartas, desenhos e fotos de familiares. Para ela, foi uma alegria imensa, a cada minuto relembrava coisas, recordava. Não foi possível tirar fotos, na verdade nem tentei. Certamente precisaria de alguma permissão.
ZH – Ela está confiante?
Speziale – Sim, ela está confiante de que, em seguida, estará novamente com seus familiares. Senti que minha presença revitalizou essa gana que ela tem. Comprovei que tudo está sendo feito para que as coisas corram bem. Minha filha está íntegra, tem apoio do consulado argentino e do Greenpeace e me disse que as autoridades russas a tratam muito bem. Fiquei tranquilo.
ZH – Vocês vinham se comunicando por telefone?
Speziale – Sim, havíamos conversado duas vezes por telefone. Na primeira vez, nos falamos durante oito minutos. Na segunda, mais 25 minutos. Acho que amanhã receberemos novo telefonema dela, quem sabe com mais tempo ainda. Tomara que sim.
ZH – Camila tem irmãos?
Speziale – Temos seis filhos, Camila tem cinco irmãos. Estamos casados há 21 anos, e os filhos são muito apegados entre si. Temos gêmeos de cinco anos e um menino autista que é muito ligado a ela. Temos uma associação civil pelo autismo. Damos assessoramento a crianças autistas.
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Rosangela prepara viagem
Rosangela Maciel, mãe da bióloga brasileira Ana Paula Maciel, deve se encontrar com ela ainda em novembro. Viajará acompanhada da neta Alessandra, 18 anos (filha de Telma, que é irmã de Ana Paula).
O Greenpeace prepara sua viagem. Dois aspectos são levados em conta pela família e pelo grupo ambientalista. A questão emocional é um deles, tanto de Rosangela quanto de Ana Paula, 31 anos, que, neste momento, está forte. O outro é o temor de, com a visita, sinalizar um sentimento da família de que a bióloga ficará muito tempo na prisão russa.
– Minha mãe quer ir, mas tememos que chegue lá e faça ela se desestruturar. Também não queremos passar a mensagem de que não acreditamos na sua libertação – disse Telma.
A neta iria junto porque é muito próxima de Rosangela. As duas já viajaram juntas para Portugal e mantêm relação de cumplicidade.
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Da Rússia, a família recebe as seguintes informações: Ana Paula, desde ontem, divide a cela com uma russa, o que não necessariamente se trata de boa notícia: ela sempre temeu perder a privacidade. Faz exercícios físicos, fuma (sim, Ana Paula tem a contradição de ser uma ambientalista que fuma. Mas guarda as baganas em uma bolsa), emagreceu, sente-se bem com a nova silhueta (diz a irmã que ela costumava “brigar com a balança”, come sopa de repolhos e frango e lê Dom Casmurro, de Machado de Assis.
Nesta semana, os carcereiros decidiram que ela pode receber, no máximo, duas cartas por semana. Tudo para atender à capacidade do carcereiro, que tudo lê. Ontem, foi oficializada a acusação de vandalismo.