Para toda a população de Grande Florianópolis – quase 1 milhão de pessoas – apenas 95 ortopedistas atendem pelo SUS. Números que criam gargalos no atendimento e escondem dramas pessoais de gente que sente dor e espera há mais de três anos por uma consulta.

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Depois de muito esforço – quase um minuto para se levantar da cama – a professora aposentada Nelda Sander, 52, pega seu par de muletas, segura a respiração para não sentir tanta dor na sua perna direita e então chora. As lágrimas encharcam o rosto da mulher ao se lembrar que já faz três anos que ela fica a maior parte do tempo deitada por conta de uma fratura mal curada. Ela sofreu um derrame há cinco anos e a sequela atingiu sua capacidade de caminhar.

Dois anos depois, ela quebrou o pé, não havia ortopedista no hospital, e o curativo fez com que o osso se regenerasse torto. Esse problema a impede de caminhar. Desde então, com a ajuda do marido, ela vai em todos os hospitais, no posto de saúde de Areias, em São José e consultórios atrás de uma solução:

– Uma vez consegui ser encaminhada pelo posto de saúde para um ortopedista. Demorou um ano e meio e não consegui. Agora marquei de novo, mas não me deram uma data para a consulta. Só avisaram que vai demorar muito – conta Nelda.

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O problema de Nelda não é exclusividade de São José, onde ela mora. Florianópolis tem mais de 3 mil pessoas esperando por uma consulta com ortopedista. Palhoça tem mais 2 mil, e a consulta demora quase dois anos. Essa situação se repete nos outros municípios.

Segundo o secretário de saúde de São José, Luis Antônio Silva, não adianta agendar pacientes, sobrecarregar a fila e não conseguir atender todo mundo. O município está tentando contratar mais três ortopedistas para diminuir a fila. Atualmente, apenas dois atendem na rede municipal.

Nelda, que pouco sabe o motivo da falta de ortopedistas na rede pública de saúde, continua esperando por uma salvação. É a única coisa que a mantém viva:

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– Não consigo viver assim. Já pensei em tirar minha vida várias vezes. Meu sonho é que um ortopedista chegue aqui em casa e fale: “vou te internar e você só vai voltar quando estiver curada” – diz Nelda, enquanto enxuga as lágrimas do rosto.

Emergências e acidentes aumentam o problema

Segundo a Polícia Rodoviária Federal, o trecho de rodovia mais perigoso do país fica na Grande Florianópolis. A BR-101, no trecho que passa por São José registrou 516 pessoas feridas em 2013. São vítimas enviadas, principalmente, ao Hospital Regional, onde passam por cirurgias e atolam os ortopedistas de serviço.

O gerente de controle e avaliação da Secretaria de Estado de Saúde, Jocélio Voltolini, explica que essa quantidade “assustadora” de acidentados acaba emperrando o atendimento. Ao invés de atenderem pacientes chamados “eletivos”, como Nelda – que aguardam meses por uma consulta – as agendas médicas ficam lotadas com cirurgias, atendimentos de emergências e cuidados de pós-operatório.

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Do pé quebrado à depressão

O marido de Nelda, Oscar Hang, 69 anos, é policial militar reformado e hoje divide sua vida entre o trabalho de agente penitenciário em Biguaçu e as tarefas de casa. Ele limpa, cozinha, ajuda sua mulher a se locomover e faz tudo o que é necessário para o casal viver.

– Meu sonho é colocar ela no meu carrinho e levar à praia. Mas nem isso consigo fazer, porque é muito difícil – conta Oscar, enquanto mostra seu Uno verde escuro.

Por conta dessa dificuldade de locomoção, Nelda não sai de casa, sente falta de correr, andar, respirar o ar da rua. Adorava cozinhar, mas em questão de minutos a dor não deixa mais ela fica na frente do fogão. Então ele pega as muletas e desiste. Se cair ela não consegue mais levantar sozinha e somente o marido que pode ajudar.

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– Ela fica preocupada comigo trabalhando na penitenciária e eu fico preocupado com ela ter qualquer coisa aqui – conta Oscar.

Toda a situação colocou Nelda em depressão. A demora para o início do tratamento do pé aliado às dificuldades de locomoção fizeram com que também sua cabeça ficasse doente. Hoje ela toma remédios tarja preta.

Pior ainda é o futuro. Oscar será aposentado compulsoriamente e deixará de receber gratificações por trabalhar na penitenciária. A renda do casal deve diminuir cerca de R$ 1,4 mil. Mais um baque na vida de Nelda.

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Bagunça no agendamento – tamanho da fila é um mistério

Hoje os médicos dos hospitais estaduais é que gerenciam as próprias agendas. Com isso, alguns profissionais ficam mais lotados que outros e o Estado não consegue fazer com que os pacientes mais antigos na fila de espera consigam ser atendidos antes. O gerente de controle e avaliação da Secretaria de Estado de Saúde, Jocélio Voltolini, explica que até março deve ser implantando um sistema que regule o agendamento de consultas:

– Hoje não sabemos quantos pacientes existem na fila em todo o estado. Qualquer número seria mera especulação – explica Jocélio.

Depois vai se ter noção do tamanho do problema e se pode direcionar mais verba para aquelas áreas que têm mais pacientes esperando – caso da ortopedia.

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Pior para municípios menores

Hoje o governo estadual disponibiliza uma cota de consultas para os municípios de acordo com o tamanho da população – que, por sinal, está desatualizado. Quanto maior a população, mais agendamentos ficam disponíveis. Com isso, municípios como São José – onde há apenas dois ortopedistas – podem enviar parte de seus pacientes para serem atendidos na rede estadual, onde a fila é gigantesca. O secretário de saúde de São José, Luis Antônio Silva, diz que o sistema é tão ruim que não adianta:

– Eles não conseguem atender a cota. Na rede municipal demora seis meses para conseguir um ortopedista, mas é mais rápido que a rede estadual – afirma Luis.

Jocélio Voltolini explica que esta cota está sendo revista e em até três meses o estado vai começar a repassar mais dinheiro para os municípios e, ao invés de contratar médicos, vai “comprar” o serviço de ortopedia de clínicas particulares. Segundo ele, o Estado já faz mais atendimentos que deveria, mas mesmo assim não consegue dar conta de todo o serviço.

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Esta semana representantes da secretaria estadual foram até Brasília para tentar conseguir mais dinheiro e poder pagar mais aos médicos pelos atendimentos. Com isso atrairiam mais profissionais, aumentando o número de consultas disponíveis.

Para Jocélio, a região da Grande Florianópolis deveria efetivar um consórcio de saúde – como já acontece em todas as outras regiões do estado. Dessa maneira, cada município pagaria uma ‘mensalidade’ que serviria para comprar mais consultas para os pacientes. Juntando o dinheiro das cidades, se consegue comprar ‘pacotes’ de consultas em clínicas particulares, deixando mais barato o serviço para os municípios, principalmente os menores.

Mutirões para resolver

Em São José, o município teve que pagar um hospital de Balneário Camboriú para que os pacientes eletivos de ortopedia pudessem passar por cirurgias.

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Florianópolis fez um mutirão para zerar a fila de exames de imagem em março. Esses exames são necessários para a maior parte dos casos de ortopedia. Com eles os médicos sabem como estão os ossos e músculos e identificam os problemas.

Depois de levantar o tamanho da fila na rede estadual, o governo deve fazer algum mutirão de consultas ou de cirurgias eletivas (aquelas que não são de emergências) para reduzir as filas na área de ortopedia.

Onde está o problema:

Casos “eletivos” (que não são de emergência) de ortopedia: dores nas costas, problemas na coluna, joelhos, pescoço, pernas e mãos

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Longo caminho para a consulta

1º Vai até o posto de saúde

2º É atendido por um clínico geral que encaminha para um ortopedista

3º Acontece a consulta com um ortopedista – pode ser na rede municipal ou nos hospitais – é aqui onde acontece o maior problema: não há ortopedistas suficientes na rede pública de saúde

4º São pedidos exames de imagem. Com exceção de Florianópolis e São José, estes exames demoram para ser agendados.

5º O paciente é encaminhado para uma subespecialidade da ortopedia – joelho, ombro, pescoço, etc. – nos hospitais. Nessa fase é difícil conseguir um médico, já que a maioria está ocupada com o atendimento de emergências. Normalmente se pedem mais exames.

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6º Se inicia o tratamento. Segundo o secretário de saúde de São José, 60% dos pacientes são encaminhados para cirurgias – feitas somente em hospitais, o que pode demorar.

Opinião

Secretário de São José: Luiz Antônio Silva

Fila de 2 mil pessoas na ortopedia:

– Não adianta estar agendando e sobrecarregando o sistema. A gente tem que atender dentro da nossa capacidade.

Secretário de Palhoça, Rosinei Horácio

Não tem o tamanho da fila de ortopedia, mas se demora até dois anos para conseguir uma consulta com ortopedista no município:

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– Os hospitais conseguem atender nossa região, mas o problema é que todo o estado usa nossos hospitais.

Secretário de Florianópolis, Carlos Daniel Moutinho

Fila de 3 mil pessoas na ortopedia

– Já demora na primeira análise, com a ortopedia clínica. Quando começa a subespecializar o tempo de espera é maior. Se for caso de cirurgia a demora é ainda maior.

Secretário de Biguaçu, Leandro Adriano de Barros

Não tem o tamanho da fila

– Hoje o grande gargalo da saúde é a ortopedia. Precisa de exames de alto custo e falta ortopedista na rede pública.

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Gerente de controle e avaliação da secretaria estadual, Jocélio Voltolini:

-Não tem o tamanho da fila

– O município que fica só esperando a abertura de agenda nos hospitais de grande porte ele vai aumentar a fila de espera por ortopedia.