Jennifer Moses

Quando saí no fim de outubro para me juntar a meu marido, professor de Direito que estava em uma ano sabático em Oxford, achei que sabia o que esperava por mim, graças a todos os filmes e livros que se passam nessa cidade medieval incrivelmente bela no centro-sul da Inglaterra. O romance “Memórias de Brideshead”, de Evelyn Waugh – publicado em 1945 e que fala sobre a aristocracia e seus privilégios – me preparou para ver graduandos elegantes andando com garrafas de Champagne nos verdes campos do Christ Church College. A série “Inspector Morse”, de Colin Dexter, (tanto os livros, quanto o programa de TV) me alertou para os riscos de acabar tropeçando nos corpos de pessoas assassinadas. E o finzinho do filme “Educação” me preparou para ver verdadeiros enxames de ciclistas a caminho de desvendar a análise do DNA, por um lado, e a linguagem litúrgica do budismo teravada, por outro.

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Na realidade, Oxford inspirou inúmeros livros e filmes e é muito fácil entender o porquê: a trama da cidade é composta por diversas camadas de história, ambição, classe, elegância, desejo, riqueza, comércio e tudo o que há de poético, incluindo intelectuais e poetas (entre os quais, Philip Larkin, W.H. Auden e John Betjeman). Mas essa também é uma cidade de pessoas que não têm nenhuma relação com a linguagem elevada – embora as palavras do poeta e crítico literário do século XIX, Matthew Arnold, se revelem a todo o instante: “E esta doce cidade e suas torres sonhadoras,/ Não precisa das belezas de junho para se elevar…”

Foto: Andrew Testa

A melhor forma de visualizar a bagunça toda é subir até o topo da Igreja de Saint Mary the Virgin, com sua torre do século XIV incrustrada bem no meio da cidade, na High Street, em Radcliffe Square. Daqui é possível ver tudo: o local onde a cidade fica no Vale do Tâmisa, o rio de prata serpenteando (chamado na cidade de Isis, especialmente pelos praticantes de remo), o local do “oxen ford” – o antigo vau dos bois, que deu origem à cidade -, em Folly Bridge, as linhas de trem, os jardins e campos, os canais e, naturalmente, as 38 faculdades, com os seus pátios, moradias estudantis e fachadas brilhantes, que juntas compõem a Universidade de Oxford.

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Foto: Andrew Testa

Sim, a universidade está em toda a parte e é razão o suficiente para que a cidade exista, uma vez que, sem a universidade – que nasceu como uma coleção de comunidades monásticas medievais que se transformaram em “salões acadêmicos”, antes de servirem de origem às primeiras faculdades -, não existiriam os muros da cidade, as ruas de comércio, torres e frontões vitorianos extravagantes e, certamente, bandos de ciclistas velozes, pedalando em ziguezague entre uma aula e a outra.

Foto: Andrew Testa

Nem haveria tanta confusão (ao menos entre os americanos) sobre o que esse lugar significa, já que diferentemente da maioria das universidades, Oxford (e sua prima distante, Cambridge) possuem um sistema híbrido, composto de faculdades separadas e da universidade reunindo todas. Na verdade, o sistema é tão complexo e movimentado por questões de status, que alguém vindo da colônia, como eu, demora uma vida inteira para compreendê-lo. Contudo, o fato de eu ser uma forasteira não impedia o local de estar pronto e disposto a ser desbravado. O que significa que eu também precisava de rodas, especificamente uma bicicleta reforçada de três velocidades com paralamas que eu aluguei.

Este pode não ser o lugar mais óbvio para iniciar a jornada, mas comecei minha exploração de Oxford no em Iffley Village, que costumava ser um vilarejo separado, dentro dos limites da cidade. Eu queria sentir como Oxford deveria ser antes de se tornar um sinônimo da Universidade de Oxford, e Iffley – com seu misto tipicamente inglês de casas em enxaimel e com teto de madeira com nomes como Grist Cottage e Malt House, muros de pedra centenários, ruas largas, campos, gansos e casas com terraço do fim do período vitoriano- faz justamente isso.

Se você está em busca de algo posterior à conquista do Normandia, a igreja de Saint Mary the Virgin faz o passeio até Iffley valer a pena. Em meio a um antigo cemitério, a igreja continua em uso e os bancos ficam sempre cheios no domingo de manhã. Com a lista de “titulares” começando com Oliver, em 1170, sua fonte quadrada de pedra original, o teto alto sustentado por pedras da região, a igreja de Saint Mary the Virgin é certamente o lugar que leva ao silêncio reverente.

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Em seguida, você pode tomar uma cerveja e comer peixe com batatas fritas no Prince of Wales, no Church Way (um pub tradicional que aceita cachorros e crianças e que meu marido adora), ou, se o seu estômago puder esperar mais um pouco, cruzar o Tâmisa pelo elevado em Iffley Lock e caminhar rio acima até a Isis Farmhouse, um bar e restaurante popular, que serve todas as comidas básicas de pub – carne cozida, purê de batata, assados, guisados e salgados caseiros – com mesas no interior do restaurante, ao lado da lareira, ou fora, com vista para o rio. Se você der sorte, talvez consiga ver as equipes universitárias de remo treinando logo ali. Além disso, patos, cisnes, casas flutuantes e, dependendo da estação, muita chuva, ou muitas flores selvagens.

Também não podemos nos esquecer da gloriosa estação central de Oxford, o local dos jardins e das faculdades muradas, de ruas medievais, igrejas antigas, vistas gloriosas, música, museus, bibliotecas e salas de leitura. Só o jardim botânico, o mais velho do país, é o bastante para entreter por um dia inteiro, e até mesmo em novembro conseguiu me cativar com a grama, as dálias, sálvias, teixos ingleses e uma planta chamada de “arbusto roxo”.

Riquezas? Oxford também tem, a começar pelo Museu Ashmolean. Eis o que mais gosto a seu respeito: 1. É gratuito. 2. Você pode deixar suas coisas em um armário no andar de baixo usando uma libra como chave para abrir as portas. Ao sair, você recebe a libra de volta. 3. O museu não é grande nem pequeno demais, então ninguém se cansa dele. 4. A coleção de obras. E que coleção, dos talheres de prata que o Corpus Christi College escondeu de Cromwell, à arte contemporânea e os pré-rafaelitas. Essas coisas são o bastante para que você fique ali parado, tentando se decidir por onde começar.

Foto: Andrew Testa

Partindo do Ashmolean, basta dar alguns passos para chegar a qualquer lugar que quiser em Oxford, incluindo a Blackwell’s, no número 51 da Broad Street, provavelmente a livraria mais famosa da Inglaterra, com seus livros incontáveis (tanto novos, quanto de segunda mão). A partir de lá, vale a pena conhecer a Biblioteca de Bodleian, que não se parece nem um pouco com a biblioteca da faculdade que fiz. Ela faz parte do plano original da Bodleian, completado em 1488, foi a primeira a formar pessoas em curso superior sem passar pela vida monástica. Aqui, os estudantes respondiam questões como: “Quantos anjos existem no céu?”, sob o teto abobadado com mais de 400 imagens esculpidas.

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Afinal, onde fica e o que é a verdadeira Oxford? Para mim, a questão mais importante são os fantasmas de Sebastian Flyte e seu ursinho de pelúcia, Aloysius. Será que eles podem ser encontrados onde deveriam estar?

E o mesmo vale para Sebastian, o protagonista charmoso, rico e frequentemente bêbado de “Memórias de Brideshead”, pois em meu último dia em Oxford, vibrei, como ele, no dia em que se encontrou com o melhor amigo, Charles Ryder, em torno da Christ Church Meadow sob um céu cinzento de dezembro. No meu caso, as vacas pastavam, os ciclistas iam e vinham na agitada Saint Aldate; e do outro lado dos muros, a faculdade, com seus pináculos, torres, portões e catedrais, brilhava na luz pálida da tarde.