A placa de um açougue de Florianópolis com os dizeres “Osso é vendido e não dado” gerou repercussão nacional na última semana e dividiu opiniões. A Associação dos Frigoríficos Independentes de Santa Catarina (Afisc) incentiva a venda, mas o Procon do Estado afirma que cobrar pela mercadoria é “desumano”. A crise econômica e a alta nos preços fazem com que famílias substituam a carne por ossos, ovos e verduras.

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Esse é o caso da família da doceira Angelita Pereira de Oliveira de São José, na Grande Florianópolis. Segundo ela, o alimento não faz parte das refeições há pelo menos dois meses. A alta do preço do produto desde 2019 fez com que ela e os demais moradores da casa se alimentem com ossos de boi e de porco que compram em açougues.

— Antigamente, os açougueiros faziam doação desses ossos. E hoje em dia, não. A gente vai no açougue, a gente pergunta é ‘ó, é R$ 5, é R$ 10’ — afirmou Angelita.

Para a economista e professora de Economia e Finanças Públicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) na Escola Superior de Administração e Gerência (Esag), Ivoneti Ramos, a doação de ossos é “uma praxe histórica”. Segundo ela, a retirada do alimento vai fragilizar ainda mais a camada de pessoas com menor renda e, consequentemente, mais atingidas pela pandemia.

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Mas afinal, a venda é permitida?

Açougue vendendo osso de boi em Florianópolis
Açougue vendendo osso de boi em Florianópolis (Foto: Caroline Borges, g1 SC)

A prática é permitida pelas legislações nacional e estadual, segundo órgãos e entidades consultadas pelo g1 SC, mas precisa ser fiscalizada, assim como outros produtos. Também é necessário aos estabelecimentos que comercializam ossos, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), seguir as Boas Práticas de Manipulação de Alimentos nos termos da RDC 216/2004.

A comercialização está prevista e, consequentemente autorizada, na Resolução 1 do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa) do Ministério da Agricultura. A informação é da médica-veteriária, Flávia Klein, do Departamento Estadual de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Deinp) e que faz parte da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc). O documento é de 9 de janeiro de 2003.

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Segundo a Anvisa, não há impedimento na legislação sanitária para venda de ossos bovinos em açougues. Se o produto está regularizado para o consumo humano no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), ele pode ser comercializado nos estabelecimentos, informou o órgão. O Mapa foi procurado pelo g1 SC, mas não deu retorno até a noite de quinta-feira (7).

Advogado de Direito Cível e do Consumidor, Felinto Deusdedith Ribeiro Júnior, diz que não há irregularidades com a venda do produto, uma vez que o supermercado compra a carne com os ossos e a fraciona para a venda.

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— Ele [comerciante] tira o filé mignon, o contrafilé, o coração, o intestino do boi e vende fracionado. Não existe nenhum problema em um mercado vender isso fracionado. Ele [comerciante] compra, ele pode vender. Assim como o pé de galinha e a moela, partes que não são consumidas por todas as pessoas, mas que algumas gostam — disse o advogado.

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Uso em pratos tradicionais

Para o presidente da Associação dos Frigoríficos Independentes de Santa Catarina (Afisc), Miguel Do Valle, além de legalizada, a venda do item deve ser incentivada. Segundo ele, a prática é feita há anos e os itens são usados em pratos tradicionais.

A questão, para o presidente, chamou a atenção porque mais pessoas passaram a procurar pelos ossos, já que a carne teve aumento no preço.

— A venda de carne com osso, como um retalho, ou só o osso, sempre foi tradicional na venda de açougues. Existem pratos que precisam de ossos, existe um retalho de osso, principalmente de suíno, que é muito comercializado. O pessoal no inverno faz a ‘quirera’ e bota esses ossinhos. Isso vem sendo feito tradicionalmente há muitos anos — afirmou.

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A Secretaria de Estado de Agricultura também afirmou, por meio de nota, que “o uso de ossos na alimentação humana para consumo próprio é uma prática comum aplicada na culinária em diversos pratos típicos regionais”.

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No entanto, ressaltou que “tais hábitos devem estar associados a obtenção de matéria-prima inócua e de qualidade, no que diz respeito a aspectos higiênicos-sanitários envolvidos”.

Responsabilidade

Antes de os ossos serem disponibilizados aos consumidores é preciso verificar as responsabilidades dos estabelecimentos na cadeia produtiva.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) Paulo Mustefaga, as indústrias são responsáveis por repassar para o varejo o produto envolvendo a carne e a carcaça de forma certificada e dentro das normas de qualidade.

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— A cadeia produtiva é grande e geralmente são aproveitadas todas as partes do boi. No entanto, a partir do momento em que entregamos os produtos para o varejo, que vai vender isso aos consumidores, os cuidados e as formas de comercialização ficam sob responsabilidade dos açougues e supermercados — explicou.

A Secretária de Agricultura de Santa Catarina (SEA) informou que a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal está prevista no decreto 9013/2017.

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