O esquema de propina para a liberação de obras em Florianópolis seria liderado a partir de uma sala da prefeitura, conforme relatou para a Polícia Civil catarinense (PCSC) um construtor que aceitou pagar o dinheiro ilícito. No local, ele teria sido recebido para a negociação por três servidores comissionados de alto escalão da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano (SMDU), que se denominariam os “três poderes” da extorsão. Dois deles foram exonerados pelo prefeito Topázio Neto (PSD) na sexta-feira (15), enquanto um terceiro deixou o governo Jorginho Mello (PL) nesta segunda (18).

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São Rodrigo Djarma Assunção, agora ex-secretário-adjunto da SMDU; Fernando Berthier da Silva, que era assessor jurídico da pasta; e Nei João da Silva, que à época era diretor de fiscalização da secretaria, mas em maio deste ano se tornou diretor de tecnologia e inovação do Detran (cargo também comissionado e que já não ocupa). Nei foi identificado pela polícia como o chefe do suposto esquema.

A sala da negociação seria o escritório de Nei na prefeitura. O construtor relatou à polícia que foi ao local acompanhado de um sócio, após ter tido um imóvel demolido por não aceitar pagar a propina. Antes de entrar na sala, eles teriam sido obrigados a deixar os celulares numa gaveta no corredor de acesso.

O trio teria dito, então, “que ali estariam os três poderes: quem aprovava, quem assinava e quem demolia”. O secretário-adjunto seria quem aprovava a demolição de quem não se submetesse ao esquema; o assessor jurídico assinaria a autorização; e o chefe da fiscalização executaria a ordem.

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As informações estão num despacho da Justiça ao qual o NSC Total teve acesso. O documento ordenou a primeira prisão contra o esquema, realizada na última sexta: a do servidor Felipe Pereira.

Ele é um auxiliar operacional de carreira que foi designado em 2020, época da gestão Gean Loureiro (União Brasil), para ocupar a função gratificada de chefe do departamento de fiscalização ambiental da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram). Ele estava no órgão até o dia da prisão.

Pereira é também o servidor que aparece num vídeo recebendo R$ 50 mil em dinheiro vivo — valor que faz questão de contar no momento da coleta. Nas mesmas imagens, quem entrega a propina é o construtor que relatou às autoridades a suposta reunião na sala da prefeitura.

O empresário disse ainda que o pagamento para Felipe teria ocorrido numa segunda fase do esquema, quando o fiscal teria passado a fazer o recolhimento do dinheiro. Antes disso, o modus operandi previa que construtores fossem semanalmente à sede da SMDU às sextas-feira fazer o acerto da propina.

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O relato de outro construtor indica um cenário parecido: fiscais teriam o abordado com o pedido da propina, que deveria ser paga na sede da SMDU aos cuidados de Nei ou Fernando, para que não tivesse obras vandalizadas ou mesmo demolidas.

Na ocasião em que Felipe foi preso, Nei João da Silva foi alvo de um mandado de busca e apreensão. Em uma fase anterior das investigações, a dupla já havia sofrido quebra de sigilo telefônico, assim como um outro ex-servidor comissionado, Carlos Augusto de Jesus, que foi gerente de fiscalização ambiental da Floram.

Carlos também é investigado por suposta participação no esquema. Nomeado em março de 2022 ao cargo, ele foi exonerado em janeiro deste ano, quase um mês depois de ter sido alvo de busca e apreensão da Operação Primeiro Round, da Polícia Civil, que já investigava a suposta cobrança de propinas.

O parecer do Ministério Público estadual (MPSC), mobilizado pela investigação da Polícia Civil e que pediu a recente prisão preventiva de Felipe Pereira, solicitou que, caso fosse apenas suspenso de suas funções, ele fosse proibido de ir às sedes da Floram e da SMDU e de ter contato com Carlos Augusto de Jesus, Nei João da Silva, Fernando Berthier da Silva, Rodrigo Djarma Assunção e também um sexto servidor investigado, Francisco Carlos da Cunha, ex-gerente de fiscalização da secretaria.

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A Polícia Civil afirma que o inquérito policial está em andamento. À NSC TV, o delegado-geral, Ulisses Gabriel, reiterou o possível envolvimento de um núcleo político para além do servidor de carreira já preso até aqui.

— Todo o contexto da investigação é de responsabilidade da Polícia Civil de Santa Catarina, que apura condutas envolvendo a situação de empresários que estariam pagando servidores públicos, que estariam recebendo, e a verificação dessa questão envolvendo o núcleo político que pode estar sendo beneficiado com esse processo de corrupção — disse o delegado.

A prefeitura de Florianópolis ainda tem atualmente aberto um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar as condutas de Felipe Pereira e Nei João da Silva.

O que diz a prefeitura de Florianópolis

O NSC Total tentou contato com a gestão Topázio, mas ainda não obteve retorno.

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Em posicionamento anterior, ela havia comunicado que o prefeito exonerou todas as pessoas citadas na investigação. Topázio também negou que exista um esquema de cobrança de propina na prefeitura e informou que o fiscal Felipe Pereira, agora preso preventivamente, seria demitido.

A gestão Topázio ainda destacou haver um núcleo anticorrupção dentro da prefeitura formado em dezembro do ano passado, operado em conjunto com a Polícia Civil catarinense.

O que dizem os investigados pelo suposto esquema

A defesa de Carlos Augusto de Jesus afirmou não haver sequer indícios de prática criminosa por parte dele, mencionando que a Justiça já indeferiu pedido de prisão de seu cliente na ocasião em que Felipe Pereira foi preso. Disse ainda que o ex-servidor já prestou os devidos esclarecimentos.

“A defesa esclarece ainda que confia nas instituições que cuidam do caso, e que provará a inocência do seu cliente nos autos”, escreveu, ao NSC Total, o advogado Eduardo Herculano Vieira de Souza.

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O mesmo advogado, à frente também da defesa de Felipe Pereira, havia dado manifestação anterior ao NSC Total sobre esse outro cliente.

Ele disse que “compete à Polícia Civil explicar os motivos de omissão e da ausência de diligências para com os demais investigados, que mesmo incluídos no bojo do Inquérito Policial, não foram alvos de medidas invasivas e estão sendo ‘promovidos’ de investigados à meras testemunhas dos fatos”. Reforçou ainda que “acredita nas instituições e será através delas que se provará a verdade, com o respeito ao contraditório, ampla defesa e, mais, em respeito ao devido processo legal”.

A defesa de Nei João da Silva afirmou que ele é inocente e que irá contribuir com as autoridades.

“Importante frisar que a notícia dada às autoridades tem viés de outra natureza, que será esclarecido até o final da instrução processual”, escreveu o advogado André Kinchescki ao NSC Total.

A reportagem ainda tenta contato com o advogado Fernando Berthier da Silva, o ex-secretário-adjunto Rodrigo Djarma Assunção e o ex-gerente Francisco Carlos da Cunha.

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Berthier comunicou, em manifestação anterior ao colunista do NSC Total Ânderson Silva, que recebeu com surpresa os fatos relativos a ele, que tratou como inverídicos. Disse ainda refutá-los integralmente.

“Afirmo com tranquilidade que no desempenho da função de assessor jurídico na Prefeitura, sempre emiti pareceres opinativos, destituído da autonomia de decidir, e, sobretudo, firmados nos moldes da legislação pertinente. Destaco que me coloco à disposição para contribuir com rigor para a investigação no que me for cabível. Por fim, serão tomadas as medidas legais cabíveis contra quem falsamente e baseado em interesses escusos imputou-me tal fato sem qualquer prova”, escreveu, em nota.

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