Especialista em Oriente Médio do Wilson Center, em Washington, e correspondente do jornal americano Washington Post no Cairo nos anos 1980, David Ottaway estuda a movimentação da oposição no Egito. Para Ottaway, Mursi perdeu o apoio da classe média e dos secularistas que, apesar da divisão religiosa, votaram em Mursi como a a única saída de retirar os militares do poder. Veja trechos da entrevista:
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Zero Hora – Por que esses protestos massivos ocorrem justo com um presidente que foi eleito após tantas manifestações que pediam por isso?
David Ottaway – Há diferentes questões ocorrendo de forma simultânea. O Egito é bipolar, e há uma divisão muito profunda entre secularistas e islâmicos. A oposição secular tenta retirar os islâmicos do poder. A outra questão é a deterioração econômica. A economia egípcia teve um crescimento muito grande de 2004 a 2010, com a abertura da economia, privatização, investimentos em turismo, mas se gerou muitos desequilíbrios sociais também, o que está também como pano de fundo dessa explosão social. Desde que Mursi assumiu, as condições de vida pioraram. Há cada vez mais escassez de gasolina e diesel, o que afeta a vida de todos. Aumentou a inflação e o desemprego. O país luta para conseguir dinheiro internacional. Neste momento, seu maior apoiador é o Catar, que já repassou US$ 8 bilhões de dólares ao governo egípcio no último ano.
ZH – Quem é a população que vai às ruas?
Ottaway – A classe média e as classes mais altas estão muito descontentes com o governo islâmico e estão no meio dos protestos. Há muitos universitários graduados também que não conseguem emprego. Muitos secularistas votaram em Mursi porque eram contra o candidato que representava o velho regime (Ahmed Shafik), mas aqueles secularistas que quiseram dar a Mursi uma chance, agora se voltam contra ele por conta da economia. Mursi dificilmente teria sido eleito sem o apoio deles, e agora, perdeu esse apoio.
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ZH – Mursi islamizou o governo? Seria esta também a explicação para essa oposição?
Ottaway – Eles não tiveram tempo para aplicar com mais rigor a sharia (lei islâmica) e não controlam ainda a burocracia estatal, mas estão nomeando governadores islâmicos.
ZH – Mursi fala em ser vítima de conspiração, de golpe. Golpe de quem?
Ottaway – Seria um golpe militar. É irônico, mas os secularistas, mesmo intelectuais que apoiaram a queda de Mubarak, os secularistas democratas estão agora chamando os militares para voltar ao poder.
ZH – Ele corre mesmo o risco de perder o poder?
Ottaway – Não acho que os militares queriam voltar a governar. Eles fizeram muitos erros e ficaram muito impopulares, mas eles podem tentar costurar a formação de um governo diferente, por exemplo, de tecnocratas, mesmo com que Mursi continue como presidente.
ZH – Qual a relação da Irmandade Muçulmana e os militares?
Ottaway – Há uma cooperação oficial. Mas os oficiais de alta patente estão por trás dos protestos, enquanto Mursi tem o apoio dos militares de mais baixa patente. Uma das preocupações dos militares é ter de intervir nas ruas e enfrentar problemas como a polícia. Os policiais também estão protestando. Eles não fizeram nada para proteger a sede da Irmandade Muçulmana no Cairo, que foi atacada, e disseram que não irão proteger os escritórios da Irmandade Muçulmana espalhados pelo país.
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