Caçula de três irmãos, usufruí de todas as benesses advindas dessa privilegiada posição. Sendo assim, todos os natais, páscoas e dias de São Nicolau eu era obsequiado com os presentes mais cobiçados da época; da mesma forma em que em todos meus aniversários, era eu quem escolhia o mote da confecção dos bolos.
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Vivia caprichosamente impecável. Mas o bem maior que recebi e que me norteou e me fortaleceu foi o carinho recebido de meu pai em toda minha infância. De tão intensa, feliz e boa que era, eu me recusava a crescer e ser um adolescente, inobstante ele ainda me pegar no colo – mesmo com 18 anos, fardado como militar do exército brasileiro.
Eu o admirava. Já aos quatro anos, ficava extasiado ao escutar na Igreja Matriz de Itajaí meu pai solando Panis Angelicus com o seu possante tenor lírico. Idade em que também fui presenteado com uma gaitinha de quatro baixos. Por outro lado, nunca fui agredido por ele, prática comum à época. E na única ameaça, para me testar, fui convocado para eu mesmo escolher a varinha para eu ser surrado, que ao mostrar a ele, de tão frágil, antecipadamente se quebrou e ele apenas riu, complacente.
Ele era naturalmente sábio, com forte personalidade e com muita altivez. Um detalhe: só usava óculos personalizados e um deles realçava por ser cravejado com filetes de ouro. Hoje, após 60 anos, quem utiliza esses óculos sou eu. Foi uma forma de perpetuar sua lembrança e agradecer o seu grande legado, introjetado em forma de carinho. Carinho este, que costumo repassar a meu filho e este, aos meus netos, afirmando ainda, que ninguém morre de overdose dessa grande força.
Ao contrário, inobstante balançar por pequenas coisas, somos fortes nos grandes embates. Igualmente, atendendo à genética e ao estímulo dele, ainda tocamos gaita e cantamos também o Panis Angelicus, só que no naipe baixo/barítono.
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Mas, apesar de não sermos ligados às lembranças passadas, confessamos: da infância maravilhosa, o que mais sentimos falta é do carinho e do colo do nosso pai. Ele me chamava de Piúnca. Só ele.

