Instalados num terreno agricultável e com infraestrutura urbana (água, luz, escola, hospital, comércio), 454 pessoas estão vivendo na Ocupação Amarildo de Souza, à caminho do Norte de Florianópolis. Sob a bandeira “terra, trabalho e teto”, o acampamento é considerado a primeira invasão rural-urbana de Santa Catarina.

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Utilizando táticas consagradas pelos movimentos agrários e com o apoio de partidos de esquerda, os acampados criticam a concentração de terras e as más condições de moradia, duas reivindicações que até pouco tempo atrás não estavam associadas, pelo menos não no território catarinense.

No restante do Brasil, esse tipo de invasão ocorre desde os anos 1990, o que levou o Incra a regulamentar plano específico de assentamento para esse tipo de mobilização. Batizado de Projeto Casulo, o programa funciona em parceria com as prefeituras desde 1997, com 103 assentamentos realizados em 14 estados (confira no mapa ao lado). O Incra de Santa Catarina já apresentou o sistema às lideranças da Ocupação Amarildo, que manifestaram interesse pelo projeto.

Os acampados tem de definir o futuro até 15 de abril, quando vence o prazo dado pela Justiça para a desocupação da área. A data foi acertada em audiência no início de fevereiro. Nesta quarta-feira, está agendada audiência pública na Assembleia Legislativa entre integrantes da Ocupação Amarildo, Ministério Público Federal, Polícia Militar, Incra, Justiça Agrária, OAB e Secretaria de Patrimônio da União (SPU).

O encontro, realizado a pedido dos acampados, discutirá o futuro da mobilização. Um dos líderes, Rui Fernando questiona a propriedade do terreno, argumenta que o relatório da SPU concluiu que a área pertence à União, o que a credencia para virar assentamento.

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Advogados do empresário Artêmio Paludo alegam que tem documentos comprovando a propriedade do imóvel e que o caso foi decidido na Justiça.

Entrevista – Paulo Pinheiro Machado

“Sem subsídio, dificilmente se mantém”

Pós-doutor em História pela Universidade Autônoma de Barcelona, o professor e pesquisador de movimentos sociais rurais fala sobre essa forma de reivindicação rural feita em cidades.

Diário Catarinense – Quais as principais diferenças entre as invasões rurais e nos centros urbanos?

Paulo Machado – Há um êxodo do campo para a cidade, que se acelerou depois do boom do setor de construção civil. A população rural vem ao meio urbano, consegue emprego, mas tem poucas condições de moradia. Na Ocupação Amarildo, há um sistema misto, visto que estão fazendo lavouras. Podem extrair subsistência dos hortigranjeiros, além da facilidade de estarem numa cidade que é um mercado consumidor.

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DC – Essa situação se repete em outras cidades e capitais?

Machado – Sim. É um problema estrutural da economia brasileira. Não adianta fazer reforma agrária se a política agrícola continua estimulando a concentração fundiária. É como enxugar gelo. Se o sujeito não tem subsídio, como os grandes produtores, dificilmente se mantém.

DC – Essas pessoas se acostumaram com os centros urbanos?

Machado – É uma população com hábito crescente de urbanização, mas que não perdeu a campesinidade, ainda detém conhecimentos e hábitos ligados à agricultura e criação de animais.