*Por Emma Goldberg

Quando a dra. Onyeka Otugo estava cursando seu treinamento em Medicina de Emergência, em Cleveland e em Chicago, era frequentemente confundida com uma zeladora ou com uma funcionária responsável pela alimentação, mesmo depois de se apresentar como médica. Ela percebeu, logo no início, que seus colegas homens e brancos não eram confundidos em situações semelhantes àquela.

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“As pessoas me perguntam várias vezes se o médico está vindo, o que pode ser frustrante. Perguntam se você está lá para tirar o lixo – coisas que não perguntariam se o médico fosse um homem branco”, disse Otugo, que agora trabalha como médica assistente no pronto atendimento e como pesquisadora de Políticas de Saúde no Hospital Brigham and Women, em Boston.

Durante anos de treinamento em prontos atendimentos predominantemente brancos, Otugo experimentou muitas dessas microagressões. O termo cunhado na década de 1970 pelo psiquiatra Chester Pierce se refere a “trocas sutis, impressionantes, muitas vezes automáticas e não verbais que humilham” os negros e os membros de outros grupos minoritários; “micro” se refere à frequência com que ocorrem, e não à escala de seu impacto. Otugo comentou que tais encontros faziam com que ela se perguntasse, por vezes, se era uma médica qualificada e competente, já que as outras pessoas não a viam dessa maneira.

Outras médicas negras, de diversas áreas, afirmaram que isso era muito comum. A dra. Kimberly Manning, clínica geral do Hospital Grady Memorial, em Atlanta, se lembrou de inúmeras microagressões em ambientes clínicos. “As pessoas podem não notar que você ficou ofendida, mas é como uma morte por mil cortes de papel. Isso pode te fazer encolher.”

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O campo da medicina tem, há muito, um viés branco e masculino. Apenas cinco por cento dos médicos nos EUA são negros e cerca de dois por cento são mulheres negras. A medicina de emergência é ainda mais predominantemente branca, com apenas três por cento dos médicos se identificando como negros. O processo como um todo também é parte do problema; atualmente, as faculdades de medicina americanas têm apenas sete por cento de alunos negros.

Mas, para as médicas negras, entrar nesse mercado é apenas o primeiro de muitos desafios. Mais de uma dúzia de mulheres negras entrevistadas disseram que frequentemente ouviam comentários de colegas e de pacientes questionando sua credibilidade e enfraquecendo sua autoridade no trabalho. Tais experiências prejudicaram seu senso de confiança e dificultaram o trabalho em equipe, criando tensões que consomem um tempo precioso durante os procedimentos de emergência.

Alguns médicos negros afirmaram achar as microagressões particularmente frustrantes, uma vez que eles dão uma perspectiva inestimável ao atendimento que oferecem. Um estudo de 2018 mostrou que os pacientes negros apresentavam melhor resultado quando eram atendidos por médicos negros e eram mais propensos a concordar com as medidas de cuidado preventivo, como o exame de diabetes e o teste de colesterol.

Em maio, quatro médicas negras publicaram um artigo na revista “Annals of Emergency Medicine” sobre as microagressões. As autoras, dra. Melanie Molina, dra. Adaira Landry, dra. Anita Chary e dra. Sherri-Ann Burnett-Bowie, disseram esperar que, ao iluminar o problema, pudessem reduzir a sensação de isolamento que as médicas negras experimentam e obrigar seus colegas brancos a tomar medidas específicas para eliminar o preconceito consciente e o inconsciente.

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As discussões sobre a falta de diversidade na medicina ressurgiram no início de agosto, quando o “Journal of the American Heart Association” retirou um artigo que argumentava contra as iniciativas de ação afirmativa na área e declarava que os estagiários negros e hispânicos eram menos qualificados do que seus colegas brancos e asiáticos.

A dra. Phindile Chowa, de 33 anos, professora assistente de Medicina de Emergência na Universidade Emory, estava em seu segundo ano de residência em Medicina de Emergência quando um assistente de seu departamento a confundiu com uma técnica de eletrocardiograma, embora ela já tivesse trabalhado com ele anteriormente em outros turnos. Ela se aproximou dele para passar o relatório dos pacientes, e ele, silenciosamente, estendeu a mão, esperando apenas que ela lhe desse o resultado do eletrocardiograma.

“Ele nunca se desculpou, porque achou que não fez nada de errado naquele dia. Eu era a única residente negra da minha classe. Como ele poderia não saber quem sou?”, indagou Chowa.

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(Foto: Alexandre Da Veiga / The New York Times)

Os encontros depreciativos continuaram. Os colegas se referem a ela como “querida”. Ela se lembrou de um paciente que perguntou repetidamente quem ela era durante uma visita ao hospital, depois de ter aprendido rapidamente o nome de seu médico assistente, um homem branco. Quando ingressou na residência, na Universidade Harvard, um colega de classe sugeriu que ela teve uma “vantagem” no processo de seleção por causa de sua raça.

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Esses comentários podem criar um ambiente de medo para as mulheres negras. Otugo se lembra de ter ouvido, por acaso, algumas colegas negras em Chicago discutindo como arrumariam o cabelo para o estágio. Muitas temiam que, se deixassem o cabelo natural, em vez de alisá-lo ou mesmo clareá-lo, suas notas e avaliações de desempenho feitas por médicos brancos poderiam ser afetadas.

A dra. Sheryl Heron, professora negra de Medicina de Emergência na Escola de Medicina da Universidade Emory, que trabalhou nessa área por mais de duas décadas, disse que as microagressões podem causar um dano duradouro. “Depois da milésima vez, isso começa a impedir sua capacidade de ter sucesso. Você começa a questionar sua autoestima. É um medo irracional.”

Isso se soma ao estresse que já é comum nos departamentos de emergência. Uma pesquisa de 2018 com mais de 1.500 médicos em início de carreira na área de Medicina de Emergência apontou que 76 por cento apresentavam os sintomas do burnout.

Mas as médicas negras afirmaram ter visto como os pacientes negros contam com sua presença para obter o melhor atendimento. Monique Smith, médica de Oakland, na Califórnia, estava trabalhando no pronto atendimento uma noite quando um jovem negro entrou com ferimentos causados por um acidente de carro. Ela ficou confusa quando alguns de seus colegas o chamaram de “encrenqueiro”. Em seguida, ela foi à cama do paciente e lhe perguntou sobre sua experiência durante a internação. Ele contou a ela que começou a gritar quando sentiu que estava sendo estereotipado pelos membros da equipe por causa da cor de sua pele e do bairro de onde vinha.

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“Consegui entrar no quarto e dizer: ‘Ei, cara, de negra para negro, o que está acontecendo? Em seguida, eu o defendi e garanti que ele recebesse um bom atendimento”, disse Smith.

A conversa fez com que Smith ficasse mais atenta aos comentários degradantes que os pacientes negros ouvem em hospitais, e ela agora tenta intervir e identificar o preconceito de seus colegas. Ela acredita, por exemplo, que às vezes os médicos são rápidos demais em solicitar um teste de drogas para pacientes negros, mesmo que os sintomas provavelmente não estejam relacionados ao abuso de substâncias entorpecentes.

Muitos médicos negros, no entanto, acham desafiador defender a si mesmos e a seus pacientes, particularmente dentro da hierarquia rígida do sistema médico. “Você depara com situações em que será vista como uma mulher negra nervosa, embora esteja apenas se defendendo. Você está constantemente se equilibrando para ser uma profissional consumada”, observou a dra. Katrina Gipson, médica de emergência.

Landry, autora do recente artigo e médica de emergência do Hospital Brigham and Women, comentou que os diretores de hospital e de residência que buscam resolver o problema enraizado devem começar ouvindo e validando as experiências pessoais dos médicos negros. Continuar promovendo a diversidade nos departamentos de Medicina de Emergência também é fundamental para que os médicos negros não trabalhem de forma isolada na instauração de mudanças culturais e consigam orientação de colegas negros mais experientes.

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“Sou a única mulher negra do corpo docente em meu departamento, e isso cria a sensação de que não há uma rede de apoio para ouvir você quando algo lhe acontece. Esse artigo é uma ferramenta de validação para que as pessoas digam: ‘Isso não está acontecendo só comigo”, argumentou Landry.

Molina, uma residente de Medicina de Emergência no Hospital Brigham and Women e coautora do artigo, disse que dar destaque à diversidade na medicina foi particularmente importante em meio a uma pandemia que afeta desproporcionalmente os pacientes negros. “A pandemia da Covid serviu para enfatizar a disparidade de saúde e como ela impacta a população negra. Como médicos de emergência, temos de apresentar uma frente unida que reconheça que o racismo é um problema de saúde pública”, completou Landry.

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