As enchentes que voltaram a castigar cidades de Santa Catarina nos últimos dias e que ainda causam preocupação mostraram a ajuda que ferramentas e planos de prevenção podem oferecer aos moradores, mas também deixaram ensinamentos para futuras calamidades que o Estado possa enfrentar.

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Grandes volumes de chuva provocaram estragos em cidades catarinenses desde o dia 4 deste mês. No total, 144 municípios registraram ocorrência em função do mau tempo e 113 decretaram situação de emergência até a noite da última sexta-feira (13). Mais de 120 abrigos foram abertos para receber pessoas que precisaram deixar as casas. Duas pessoas morreram ao tentar passar por áreas alagadas, uma em Rio do Oeste e outra em Palmeira, na Serra.

Municípios como Taió, Rio do Oeste e Rio do Sul, no Alto Vale do Itajaí, estão entre os mais atingidos, com áreas alagadas durante grande parte da semana. Em Taió, a cheia foi considerada a maior da história, com a água atingindo o segundo andar das casas e exigindo que equipes dos bombeiros resgatassem moradores. Até a última quarta-feira (11), as maiores quantidades acumuladas de chuva no Estado em sete dias foram registradas em cidades da região: Witmarsum (361 milímetros), Rio do Campo (356) e Taió (643), segundo dados da Defesa Civil de Santa Catarina.

Veja fotos da enchente em Taió

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Um dos avanços apontados como elemento que ajudou a população na preparação para um menor impacto nas cheias é a rede telemétrica para monitoramento meteorológico existente em municípios do Vale do Itajaí. As ferramentas permitem o acompanhamento do volume acumulado de chuva nas cidades e o nível atualizado dos rios. As informações ajudam os moradores a saber a proporção dos alagamentos e o potencial de aumento das cheias.

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A previsão antecipada das fortes chuvas previstas para o fim de semana passado é o principal ponto de destaque citado pelo diretor de Gestão de Desastres da Defesa Civil de SC, coronel César Nunes.

Na quinta e na sexta-feira, ainda com tempo firme, a população de cidades como Blumenau e Rio do Sul, historicamente atingidas por enchentes, conseguiu retirar móveis nas residências e comércios em áreas mais baixas, para evitar perdas materiais em razão das chuvas que estavam por vir. Nos dias das chuvas mais intensas, a Defesa Civil estadual e de municípios antecipou previsões sobre quantos metros os rios poderiam atingir, alertando moradores das áreas suscetíveis a alagamentos horas antes.

– O grande sucesso até aqui esteve na antecipação de toda a estrutura a partir das orientações dadas ao governo e dos protocolos existentes – avalia.

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A reportagem procurou a Defesa Civil de Santa Catarina para questionar sobre os pontos que funcionaram e os que precisam ser aprimorados após as cheias desta semana. O diretor de Gestão de Desastres do órgão, coronel César Nunes, afirmou que ainda não era possível fazer um balanço porque a operação “ainda não terminou”. Ele citou também os alertas de chuva para a última quinta-feira, dia 12, e uma possível quarta onda de chuvas, na próxima semana, que ainda estava em análise pelos técnicos do órgão:

– O ensinamento é aquele, quando você acha que a situação terminou, (é porque) não terminou ainda – resumiu.

Comunicação e orientação são desafios

Apesar dos avanços da antecipação dos alertas, as enchentes deixam aprendizados que podem ajudar o Estado em novos episódios de cheias. Um dos pontos destacados é a comunicação dos alertas à população.

O professor Felipe Gontijo, coordenador do Núcleo de Riscos e Desastres (Cepede) da Esag/Udesc, afirma que a Defesa Civil de SC é apontada como referência em comparação a outros estados e investiu nos últimos anos em equipamentos e radares para produção de dados sobre o tempo. No entanto, ele frisa que apenas esse investimento não é suficiente. Considera que é preciso que tanto os profissionais responsáveis quanto a população sejam capacitados e educados para saber como utilizar essas informações obtidas e como agir em momentos de crise. Tudo isso faz parte de uma desejada cultura de gestão de risco e comunicação.

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– Foi dada a previsão de que haveria chuvas fortes. Talvez o pessoal que trabalha com isso, Defesa Civil e bombeiros, soubesse o que fazer, mas na população normal, o que acontece é que essa informação às vezes gera pânico. Então, é como se você tivesse que educar as pessoas, dizendo: “Tendo essa informação, você pode fazer isso ou procurar tal serviço” – avalia.

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O professor da Universidade Regional de Blumenau (Furb) e doutor em Hidrologia, Ademar Cordero, concorda com a necessidade de comunicações mais diretas.

– Sempre falo que não adianta a Defesa Civil dizer que vai chover 150 ou 200 milímetros. O que vai ajudar as pessoas? O que a população vai fazer com essa informação? Tem que ter a previsão dos níveis e a carta-enchente, como tem em Blumenau – diz.

A carta-enchente citada pelo especialista é um mapeamento das zonas da cidade que são alagadas a cada metragem atingida pelo rio. Outro documento importante são as cotas-enchente, uma relação com as ruas do município e a cota exata do rio em que a via sofre alagamentos. Esses instrumentos já existem em cidades com histórico de cheias como Blumenau e, mais recentemente, nas vizinhas Timbó, Brusque e Gaspar. Mas ainda são uma deficiência em cidades menores, onde as próprias estruturas de Defesa Civil costumam ser reduzidas.

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Veja imagens aéreas de Blumenau na sexta-feira (13):

Gontijo frisa que será preciso aprender com os eventos para se preparar:

– Você vai ter que aprender a pensar, interpretar e buscar solução rápida – conclui.

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O diretor de Defesa Civil de Criciúma, Fred Gomes, preside o colegiado de Proteção e Defesa Civil dos Municípios, ligado à Federação Catarinense dos Municípios (Fecam). Ele reconhece que em alguns municípios pequenos as estruturas desses órgãos são reduzidas e às vezes são formadas com acúmulo de função, ocupadas por secretários de outras pastas, por exemplo. Apesar disso, ele destaca que tem se tornado um consenso nos debates da área de que todas as cidades precisam ter ao menos uma estrutura mínima para a proteção de desastres: um veículo, um computador, telefones e ao menos duas pessoas responsáveis.

– A Defesa Civil acaba sendo lembrada só quando ocorre alguma tragédia, e o foco deveria ser trabalhar em prevenção, durante todo o ano, porque assim você consegue mitigar os riscos – avalia, frisando que as estruturas dos municípios tiveram papel importante na resposta às enchentes.

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Além de investimentos na estrutura, a engenheira sanitarista, ambiental e professora do IFSC Florianópolis, Maurília de Almeida Bastos, lembra que a forma atual de ocupação urbana e a diminuição de áreas permeáveis, capazes de absorver a chuva, são outros problemas relacionados:

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– Áreas continuam sendo desmatadas, ocupadas, margens de rios são habitadas, e depois só se olha a chuva. São outras questões, de gestão municipal e estadual que precisam ter esse olhar – cita.

Outro aspecto apontado por especialistas foi a gestão para fechamento de barragens, que sofreu resistência em SC durante as últimas cheias. Confira em detalhes no link abaixo as informações sobre os desafios na gestão das barragens do Estado para novos episódios de cheias.

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