Desde 2014, Gean Loureiro comemora dois aniversários. Um, na sua data de nascimento, 9 de outubro. Outro, em 19 de junho. No ano anterior, às 11h40 daquele dia, ele voltava de Itajaí pela BR-101 quando o carro que o levava bateu em um caminhão que estava entrando na rodovia, ocupando as duas pistas. A quina da carroceria colidiu com a frente do lado direito do veículo, onde Gean estava sentado no banco do carona. Contra todos os prognósticos, em um mês e meio ele estava de volta ao batente na presidência da Fundação do Meio Ambiente (Fatma). É com essa mesma obstinação que o candidato do PMDB persegue a prefeitura de Florianópolis.
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– Acordei com um bombeiro pressionando minha cabeça e gritando para alguém vir ajudar, que tinha estourado uma veia e eu não iria resistir. Demorou quase uma hora para remover o painel do carro, que estava todo sobre minhas pernas. Chegou uma hora em que eu não aguentava mais de dor e pedi pelo amor de Deus que cortassem elas e me tirassem dali – descreve Gean, em uma padaria no bairro dos Ingleses, pouco antes do meio-dia de uma quinta-feira.
Ele está vindo de uma caminhada no Rio Vermelho e, pelo ritmo com que superou os três quilômetros do trajeto, é difícil acreditar na série de ferimentos que sofreu. O fêmur da perna direita rachou em três pedaços e a bacia esquerda foi completamente fraturada. O nervo ciático rompeu do lado esquerdo. Na cabeça, foram cinco grandes cortes, um dos quais da testa até abaixo do queixo. No braço esquerdo, duas fraturas expostas. E lesões na costela, mãos e dedos. Internado entre a vida e a morte no Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí, teve alta 19 dias depois.
Segundo os médicos, sua rápida recuperação das inúmeras cirurgias que precisou deveu-se às oito horas diárias dedicadas à fisioterapia. Mas houve momentos em que Gean pensou que não iria resistir.
– Tomava morfina direto, tinha alucinações. Ouvi um cara falando que nem adiantava o governador vir, o paciente era caso perdido. Fechava os olhos e via um clarão. Uma noite, desisti, me entreguei. Chamei Cintia (esposa) e disse: cuide das crianças, que estou indo embora.
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Além de cicatrizes e sequelas, o acidente deixou lições a Gean. A primeira foi não esconder nada das quatro filhas – três biológicas e uma enteada –, que ficaram com a avó sem entender direito o que havia acontecido com o pai, enquanto Cintia ia acompanhá-lo no hospital. No dia seguinte, os colegas da escola disseram às meninas que ele havia morrido. A segunda lição, ele mesmo explica:
– Quando a gente quase vai para o outro lado, vira mais solidário. Nunca se sabe quanto tempo mais nos resta por aqui.
Se tudo correr conforme Gean planeja, em 1º de janeiro de 2017 ele estará sendo empossado na administração da cidade onde nasceu, há 44 anos. Manezinho da Rua Coronel Caetano Costa, na Coloninha, comunidade tradicional do Estreito, o filho de Aguinaldo e Judite gostava de brincar de carrinho de rolimã, jogar futebol e passar por baixo da catraca do Estádio Orlando Scarpelli para assistir às partidas do Figueirense.
Aos 19, ingressou no Direito da UFSC porque queria fazer concurso para promotor. Mas a política falou mais alto. À época fã de Leonel Brizola, filiou-se ao partido do líder trabalhista gaúcho, o PDT, com o desafio de se tornar o vereador mais jovem de Santa Catarina em 1992. Virou a noite acompanhando a apuração, à época manual. Levou apenas 772 votos e se elegeu apenas por causa da legenda. Foi a primeira e última vez que dependeria desse recurso para vencer algum cargo eletivo. Na Câmara municipal, cumpriria cinco mandatos consecutivos, chegando a presidir a Casa de 2009 a 2010.
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– Achava que o vereador podia fazer mais do que ele realmente pode. Descobri que não, que uma de suas funções era levar as demandas da sociedade para o prefeito. Sem o aval do prefeito, você não consegue mudar a vida das pessoas. Por isso que quero ir para o Executivo. Tanto que, quando presidi a Câmara, fui acusado de se meter em assuntos da prefeitura – afirma, destacando leis como a que restringe o uso de cigarro em locais públicos e fechados e a que oferece gratuitamente o teste da orelhinha a todos os recém-nascidos entre os mais de mil projetos que apresentou.
Vem da vereança também os outdoors que mandava espalhar pela cidade em efemérides. De acordo com Gean, a prática surgiu porque sua mãe lhe pediu para fazer uma homenagem ao dia do professor. Com as redes sociais, o hábito foi abandonado.
Do Legislativo florianopolitano, ele lutou por uma vaga na Câmara Federal em 2010. Ficou na terceira suplência. Sentiu o gostinho de Brasília em 2011, quando assumiu o mandato. Voltou para ocupar a secretaria de governo na segunda gestão de Dario Berger na prefeitura, já no atual partido, após passar também pelo ninho tucano. Justifica-se dizendo que, como havia começado muito jovem, ¿talvez não tenha buscado o abrigo partidário correto¿, mas ¿acabou se encontrando¿ no PMDB.
Em 2012, concorreu à sucessão de Berger. Perdeu no segundo turno para Cesar Souza Junior. No programa eleitoral, abordou algo que nunca havia considerado um impeditivo para se eleger prefeito, apesar de ser muito explorado pelos adversários, principalmente em tom de chacota: sua voz, aguda e rouca.
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– Meu problema nas cordas vocais começou com 19 anos. Fiz uma cirurgia em São Paulo com o mesmo médico que operou Silvio Santos. Ele me disse que eu nunca seria cantor. Na política, porém, seria minha marca. Todo mundo iria se lembrar de mim quando me ouvisse – conta.
Os inúmeros cargos que ocupou na vida pública lhe ensinaram que há o tempo de discutir, o tempo de decidir e o tempo de fazer. Gean quer fazer. Ainda mais depois que, ainda deputado, ouviu da caçula Mariana, hoje com 10 anos, o pedido para que providenciasse um parquinho para as crianças da Tapera. Explicou à pequena que o responsável por isso era o prefeito.
– Para que então ser deputado se você não pode nem fazer um parquinho? Você tem é que ser prefeito! – disse-lhe a menina.
É o que Gean pretende. Para chegar lá, em junho submeteu-se a mais uma operação, devido a uma necrose na parte superior do fêmur. Botou uma prótese, sua 12a. Se não fizesse, seu quadril iria desabar. Novamente, se restabeleceu em tempo recorde, como quando precisou de andador (previsão de 30 dias, ficou 12) e de muleta (reduziu de três meses para um mês e meio). Ao usar cadeira de rodas, sentiu na pele as carências de acessibilidade na cidade.
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– No Centro não há um rebaixamento no meio-fio nas faixas de pedestres. O cadeirante tem que descer pelas rampas dos carros e atravessar fora das faixas.
O peemedebista também perdeu a conta de quantos parafusos carrega no corpo. Toma antibiótico quatro vezes por dia e continua na fisioterapia. A pretensão é não ficar com nenhuma sequela do acidente – hoje ele manca de leve de uma das pernas. Sempre dormiu pouco, na campanha está dormindo menos: da meia-noite às 5h. A família se reúne no café da manhã. Seu refúgio é o canto esquerdo da praia dos Ingleses, onde tem um apartamento. Procura passear com as filhas, ¿para que elas larguem um pouco o celular¿.
É fã de Tim Maia, embora o disco que mais embalou o romance com Cintia seja o dos Tribalistas. Toda vez que escutam músicas do trio, como Já Sei Namorar, lembram do início de sua história de amor. Foram colegas no Colégio Catarinense. Voltaram a se encontrar na prefeitura, quando Gean era secretário e, ela, gerente de projetos. Daí começou a relação. A arquiteta trouxe uma filha de um casamento anterior. Ele, três de dois.
– Eu e Cintia não temos filhos nossos, só os meus e os dela.
Na cozinha, seu prato predileto é berbigão. Jura que faz um com palmito e azeite de oliva que é de se comer suspirando. Perfume, ¿o que a mulher gosta¿. Não se importa com grifes. Durante a entrevista, veste uma camisa da Individual, jeans e tênis Asics. Seu dia começou às 6h da manhã com uma panfletagem nos Ingleses. No celular, instalou um aplicativo que calcula quantos passos deu desde que acordou. Mostra o visor: mais de 10 mil.
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As três principais propostas de Gean
Gestão
“Fazer uma gestão fiscal responsável. Antes de cumprir qualquer promessa, vou ter que botar a máquina em dia, a casa em ordem. Reduzir o custo da prefeitura, reavaliar contratos, aumentar a arrecadação. Ajustar isso é fundamental.”
Educação
“Não podemos mais pensar os filhos na escola só por meio período. Mas não há condições de todas as crianças estarem na escola em tempo integral. Então, precisamos ter atividades no contraturno. Vamos discutir com pais, professores e alunos quais são os projetos na própria comunidade que vão realizar esse contraturno – esportivos, ambientais, de empreendedorismo – e implantá-los de acordo com a vocação de cada bairro.”
Infraestrutura
“Não posso pensar em não ter como prioridade concluir o elevado do Rio Tavares. Só que mora lá sabe a dificuldade quem é.”