*Por Dr. Joseph Stern
O buraco de bala na testa do adolescente era tão pequeno que disfarçava o dano já causado ao cérebro. O ferimento foi fatal. Sabíamos disso no momento em que ele chegou ao pronto-socorro. Dias depois, seu corpo estava sendo mantido vivo na unidade de terapia intensiva, apesar de um exame mostrar que ele estava com morte cerebral, sem que o sangue fluísse para o cérebro. Por fim, todos os seus órgãos falharam e seu coração parou de bater.
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As enfermeiras, porém, continuaram a cuidar do menino e de sua família, sabendo que ele já estava morto, mas tentando ajudar os familiares com o processo agonizante de aceitar sua morte.
Esse cenário ocorre com muita frequência na UTI neurológica. Os médicos muitas vezes atrasam a retirada de suportes que sustentam a vida, como ventiladores e gotejamentos intravenosos, e as enfermeiras continuam esses tratamentos – aderindo aos protocolos, mas com conflitos internos. A falta de consenso ou comunicação entre médicos, enfermeiros e famílias muitas vezes dificulta essas situações para todos os envolvidos.
A morte cerebral é definitiva. Quando o tronco cerebral do paciente para de funcionar, a morte corporal inevitavelmente se segue, não importa o que façamos. Intervenções contínuas, por mais dolorosas que sejam, são necessariamente de duração limitada. Muitas vezes podemos manter o corpo desses pacientes vivo por alguns dias, até o momento em que seu coração para.
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O mais complicado, e muito mais comum, é o meio-termo de uma lesão neurologicamente devastadora sem morte cerebral. Aqui, as decisões podem ser mais difíceis, e optar por continuar ou retirar o tratamento, muito mais problemático.
A comunicação e o apoio inconsistentes entre membros da equipe médica e familiares influem na situação. Um novo campo, o cuidado neuropaliativo, busca focar "resultados importantes para os pacientes e as famílias" e "orientar e apoiar pacientes e familiares por meio de escolhas complexas que envolvem imensa incerteza e consequências intensamente importantes da mente e do corpo".
Não faz muito tempo, um colega meu realizou uma cirurgia de emergência noturna em uma jovem que também tinha sido baleada na cabeça. Dessa vez, o impacto violento da bala explodiu seu crânio. Atravessou ambos os hemisférios de seu cérebro, incluindo os gânglios basais e o tálamo (regiões cerebrais profundas que afetam a consciência). A lesão nessas áreas tem um prognóstico sombrio, assim como lesões penetrantes em ambos os lados do cérebro.
Mas, ao contrário do primeiro paciente com um único buraco de bala e sem ferimento de saída, a explosão inicial descomprimiu seu cérebro, acomodando o inchaço em vez de produzir pressões perigosamente altas, como ocorreu com o primeiro, o que levou à hérnia cerebral e à morte.
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Essa jovem estava na UTI, respirando com o auxílio de um ventilador mecânico, acionado por enfermeiras a cada duas horas, alimentada através de um tubo fino que ia do nariz ao estômago: sem consciência, sem se mover espontaneamente, aparentemente sem saber onde estava. Era provável que permanecesse assim pelo resto da vida.
Os médicos e enfermeiros concordavam com o prognóstico da paciente e com uma mensagem consistente que tinha a anuência de todos. Conversamos com a família ao lado do leito da jovem e depois telefonamos para familiares de fora do estado.
O diretor da UTI e eu falamos sobre decisões médicas difíceis que tivemos de tomar em relação aos membros de nossa própria família, e perguntamos o que ela poderia querer, já que eles estavam representando seus interesses e agindo em seu nome. Expliquei-lhes sua lesão e a probabilidade de ela nunca se recuperar: juntos, familiares e profissionais da UTI neurológica concordaram em transferi-la para um lugar mais confortável e deixá-la morrer.
Dois anos atrás, eu estava na mesma situação dessa família, depois que meu cunhado Pat entrou em colapso devido a uma hemorragia causada pelo rompimento de um aneurisma cerebral. Como único médico da família e com procuração legal de assistência médica de Pat, tomei suas decisões médicas e me comuniquei com o resto de sua família, incluindo seus dois filhos, que tinham então 16 e 18 anos. Isso foi ainda mais difícil porque um ano antes, sua esposa, minha irmã Victoria, tinha morrido de leucemia, deixando Pat como o único cuidador de seus filhos.
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Pat foi levado de ambulância para o Centro Médico da UCLA em Westwood, na Califórnia. Antes de voar para Los Angeles, concordei com a ideia de operá-lo para reparar o aneurisma. Tecnicamente, a cirurgia correu bem, mas Pat nunca recuperou a consciência. Embora nunca tenha tido morte cerebral, ele permaneceu em coma profundo.
Seu neurocirurgião, Gregory Lekovic, foi compreensivo: ele e eu discutimos uma linha do tempo na nossa primeira reunião. Ele recomendou dar a Pat pelo menos uma semana para melhorar. Se isso não acontecesse, Lekovic nos aconselhou a não permitir uma traqueostomia e a colocação de uma sonda gástrica (rotas cirúrgicas permanentes para respiração e nutrição), e a optar pela interrupção do tratamento. Esse seria o ponto final claro. Lekovic e eu temíamos que seria difícil recuar depois que esses procedimentos fossem adotados.
Ao longo da semana seguinte, Pat não melhorou neurologicamente. Todos esperavam que ele estivesse se recuperando. Eu me senti como um cobertor molhado, continuamente desafiando o entusiasmo dos outros médicos. Entender sua condição e ter autoridade legal para tomar decisões me possibilitaram manter uma visão clara dos objetivos dos cuidados, mas isso não facilitou a questão no âmbito pessoal.
Os filhos de Pat haviam apenas começado a aceitar a perda da mãe e agora enfrentavam a possível perda do pai. Mas atrasar essa perda não justificaria uma existência sem qualidade de vida. Ele teria odiado estar em coma ou severamente debilitado em um asilo, incapaz de se relacionar com seus familiares ou cuidar de suas próprias necessidades básicas, como comer ou ir ao banheiro, e temia sobrecarregar a família.
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A probabilidade era de que Pat nunca recuperasse a consciência. No entanto, na manhã em que planejamos retirar o tratamento, um dos especialistas em UTI neurológica apresentou um cenário em que Pat poderia acordar, ser capaz de andar com assistência e participar da vida familiar. Quando pressionado, o médico admitiu que estava nos dando o melhor resultado possível, em vez do cenário mais provável.
Então Lekovic, falando claramente, nos disse que, para ele ou para um membro de sua família, tomaria a decisão de acabar com o tratamento. Ele parecia genuinamente triste. Os médicos muitas vezes acham que é mais importante ser preciso e não cometer erros; prever o futuro com certeza médica. Na minha experiência, a conexão e a empatia são muito mais importantes do que a certeza. Pacientes e famílias querem saber se você se importa com eles e se você entende sua dor em momentos difíceis.
Meus sobrinhos gostaram de saber a verdade quando expliquei o prognóstico do pai. Mesmo estando devastados com a perspectiva de perdê-lo, a honestidade e a inclusão deles na tomada de decisões foram importantes para ajudá-los a prosseguir.
Mesmo com meu treinamento, eu me perguntava se estava tomando as decisões certas. Cada família afetada enfrenta dilemas semelhantes. Todos precisamos de ajuda para tomar decisões no caso de pacientes neurologicamente comprometidos, tanto por meio de uma comunicação melhorada quanto do desenvolvimento de serviços neuropaliativos.
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Os profissionais médicos não podem se concentrar no curto prazo ou permitir que o tratamento seja conduzido por procedimentos, perdendo de vista o resultado e a qualidade de vida. Precisamos abordar nossos pacientes e suas famílias com o coração aberto, reconhecendo seu sofrimento e a incerteza que todos experimentamos.
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