O Ministério Público de Santa Catarina denunciou 24 pessoas por participação no esquema do coach de emagrecimento que atuavam em clínicas de luxo em Joinville e Balneário Camboriú receitando medicamentos ilegais. Os profissionais são acusados por integrar e promover organização criminosa, já que, conforme a promotoria, cada qual tinha sua função para que os crimes pudessem ser praticados sem levantar suspeitas.

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Como funciona esquema de coach dono de clínicas de luxo em Balneário Camboriú e Joinville

Na semana passada, a Polícia Civil já havia concluído o inquérito com indiciamento de 21 pessoas que podem responder por, pelo menos, sete crimes diferentes. Na primeira fase da Operação Venefica, segundo a promotora de Justiça Elaine Rita Auerbach, o MP apresentou as denúncias por núcleos, citando, neste primeiro momento, os principais personagens que atuavam na parte administrativa, todos ligados à clínica F. Coaching, com sedes em Joinville e unidade em Balneário Camboriú, de propriedade do coach Felipe Francisco.

Vale destacar, no entanto, que outras investigações seguem em paralelo, que podem indiciar por mais crimes os mesmos profissionais e também mirar novos nomes que, após deixarem o esquema do coach Felipe Francisco, criaram os próprios negócios com o mesmo modus operandi.

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Felipe Francisco, portanto, é apontado como percursor e chefe da organização criminosa. Outro personagem que ganha destaque é a nutricionista Letícia Cristina Baptista, ex-esposa do empresário, que passou a atuar como “sócia” pelo menos desde 2018, quando a empresa tinha outro CNPJ e endereço.

Quem é o coach dono de clínicas de luxo em Balneário Camboriú e Joinville preso em operação

De acordo com o Ministério Público, para dar uma “falsa roupagem de legalidade técnica”, Letícia assinava receitas dos mais variados medicamentos e também fazia pedidos de fármacos de uso controlado para abastecer o estoque da empresa.

Documento traz conversa em que Felipe pede que Letícia receite medicamento hormonal para cliente

A nutricionista, na companhia de outro médico, tiveram papéis fundamentais para o início da organização criminosa, já que, cedendo receitas com assinaturas e o número do CRM (registro profissional de medicina) proporcionavam a Felipe a possibilidade de exercer, ilegalmente, as funções de médico e nutricionista a fim de receitar remédios e fitoterápicos de uso controlado sem que os pacientes passassem, de fato, por um especialista com conhecimento técnico.

Esses profissionais, “apesar da habilitação técnica, extrapolavam suas prerrogativas profissionais, reiteradamente, prescreviam, vendiam e entregavam ao consumo os protocolos criados por Felipe”, destaca o documento da 13ª Promotoria de Justiça, responsável pela denúncia. O ato se enquadra como falsidade ideológica.

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Organização criminosa foi dividida em cinco eixos

Conforme o Ministério Público, não é possível saber quando exatamente a quadrilha liderada por Felipe teve início, mas pelo menos desde 2010 ele e a mãe — que chegou a ser encaminhada ao presídio e agora está em prisão domiciliar — passaram a registrar empresas em nomes de laranjas.

O coach, inclusive, chegou a ser preso e condenado por atuar como nutricionista sem ter formação na área e vender medicamentos sem registro no Paraná, mas conseguiu livrar-se das grades. Mesmo monitorado por tornozeleira eletrônica, a partir de 2017, ele voltou a cometer os crimes, mas, desta vez, com esquema mais sofisticado, visando não deixar rastros.

Foi assim que montou uma espécie de estrutura administrativa para operacionalizar as clínicas, fazendo parceria com profissionais que passaram a compôr a “engrenagem ilícita”. Este movimento, segundo o MP, foi fundamental para que os crimes “fossem cometidos por tanto tempo e para que fosse mantida a impunidade do bando”.

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Organograma da divisão de tarefas da organização criminosa da F. Coaching, de Felipe Francisco

O “núcleo técnico”, portanto, foi dividido em cinco eixos:

  • Nutricionistas: a quem cabia fazer as prescrições de substâncias medicinais, psicoativas, e de uso controlado mediante a obtenção de “altas comissões”;
  • Biomédicas: a quem cabia a aplicação dos injetáveis, como anabolizantes e medicamentos manipulados injetáveis de protocolos criados por Felipe na própria clínica;
  • Médicos: a quem cabia a assinatura das receitas efetuadas por Felipe e pelos nutricionistas, ou a autorização mediante contraprestação financeira para a livre emissão de receitas médicas com seus dados e assinaturas;
  • Funcionários do administrativo: a quem cabia a guarda, depósito e controle do estoque dos medicamentos para a venda, substâncias ilicitamente vendidas e entregues a consumo no local, assim como a aquisição de tais produtos, realização de pedidos dos produtos com fins terapêuticos e medicinais, em sua grande maioria anabolizantes e manipulados prescritos pelo bando e a sua entrega aos consumidores;
  • Farmácias de manipulação: as quais aviavam as receitas ilicitamente recebidas dos integrantes da F Coaching, alteravam produtos para fins terapêuticos e medicinais, criando compostos em desacordo com as autorizações e normas sanitárias, omitiam informações nos rótulos das fórmulas, e ainda incluindo no rótulo, muitas vezes, substâncias diversas daquelas constantes na composição do produto, com o único fim de criar um falso encarecimento desses produtos para garantir o superfaturamento da quadrilha.

Em diversas citações, a promotoria ressalta que foram cometidos vários crimes, inclusive “hediondos”, como exercício indevido de profissão de médico e nutricionista (falsidade ideológica), falsificação de receitas médicas, estoque para venda e entrega de produtos medicinais e terapêuticos adulterados, falsificados ou em descompasso com autorizações sanitárias. Além disso, o MP destaca que, essas funções e tarefas, algumas “não consistem apenas em emprestar ou ceder o nome para registro de empresas como laranja, mas também receber mensalidades/mesadas para isso”.

Pacientes relatavam mal estar após consumir medicamentos

Além de trazer detalhes da participação de cada integrante da organização criminosa, a denúncia do Ministério Público também anexa conversas do coach e demais profissionais que atuavam na F Coaching com pacientes.

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Em um dos prints, uma cliente relata a Felipe estar com quadro de dor de barriga, vômito, frio e calor após ter consumido por dois dias os medicamentos receitados por ele. Ela suspeita estar com Covid-19, já que tem sintomas de gripe. Em resposta, o empresário pede para que ela suspenda a medicação. Veja:

Conversa de coach Felipe Francisco com uma cliente consta na denúncia do Ministério Público

Além de demonstrar que a clínica tinha ciência de que pacientes estavam passando mal ao iniciarem os “protocolos” do coach, o documento também detalha os medicamentos ilegais que eram prescritos, principalmente anabolizantes.

Documento detalha os medicamentos ilegais que eram prescritos na F Coaching de Felipe Francisco

Prisões

Além de Felipe Francisco, apontado como líder do esquema criminoso, e Letícia Cristina Baptista, ex-esposa do coach e citada como um dos principais nomes que ajudou a dar início à organização criminosa, outras oito pessoas seguem presas preventivamente — entre médicos, nutricionistas e biomédicos.

Luxo, viagens e ostentação: o perfil dos presos em esquema de coach de SC

Além disso, a mãe do coach e outros cinco investigados cumprem medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica e prisão domiciliar.

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Veja quais são as clínicas de luxo interditadas em investigação que prendeu coach em SC

A justiça, juntamente com a Vigilância Sanitária, também mandou interditar as unidades da F Coaching de Joinville e Balneário Camboriú, outras quatro clínicas estéticas de luxo e duas farmácias de manipulação, com endereços em Balneário e Itapema.

A reportagem do A Notícia tenta contato com a defesa dos citados e está aberta a manifestações.