O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destacou, no primeiro discurso após a vitória nas urnas sobre Jair Bolsonaro (PL), a necessidade de conciliação do país, ao dizer que “não existem dois Brasis, mas um só”. A realidade dos dias seguintes, no entanto, reforçou a dura missão para isso e o atual estado de ruptura, com bloqueios ilegais em rodovias e atos antidemocráticos com especial apelo em Santa Catarina, que ainda contestam o resultado, chegam a pedir novas eleições e até um golpe militar.
Para especialistas consultados pela reportagem, a pacificação dos ânimos e a retomada do diálogo pretendidas por Lula dependem, fundamentalmente, da efetivação de um governo amplo e de crescimento econômico, apostas já sinalizadas por ele.
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O cientista político Julian Borba, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diz que um primeiro passo de conciliação foi dado por Lula durante a candidatura, quando trouxe o histórico adversário Geraldo Alckmin (PSB) para compor a chapa e recebeu apoio de outros nomes dissonantes, casos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Marina Silva (Rede), Simone Tebet (MDB) e João Amoêdo (Novo).
– A efetividade de pôr fim à divisão de dois Brasis vai depender de três condições. Uma delas já foi encaminhada durante a campanha, que é a constituição de uma coalizão ampla, de um governo que não seja só do PT, que vá da centro-direita à esquerda.
– O segundo ponto vai estar no plano institucional, vai depender da capacidade que Lula terá de transformar essa coalizão de campanha em uma coalizão de governo e de ter uma maioria no Congresso – explica Borba, que emenda uma última condição.
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– O terceiro ponto, que talvez seja o mais importante, diz respeito à capacidade de executar políticas públicas que consigam ter um amplo respaldo popular. Ou seja, essa ideia de unidade nacional vai depender da capacidade dele em produzir crescimento econômico. É disso que vai surgir orçamento para fazer políticas de inclusão e, de alguma maneira, reverter o discurso do antipetismo. É a satisfação com a economia que vai promover uma mudança de visão sobre o governo – avalia o cientista político.
O economista Eduardo Guerini, professor da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), vai ao encontro do que diz Borba e afirma ter visto outras sinalizações de Lula em dar prioridade à economia na tentativa de retomada do diálogo, tendo minimizado a pauta de costumes alçada por Bolsonaro ao longo do governo.
– Os primeiros movimentos de Lula são de restabelecer o diálogo com os principais parceiros da comunidade internacional, para se produza um efeito cumulativo de crescimento econômico para distribuição da renda, e de organizar o orçamento de 2023, para garantir o auxílio, o aumento do salário mínimo e a alavancagem do crédito.
O sociólogo Fernando Scheeffer, professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), avalia, no entanto, que tanto a formação de uma coalizão no Legislativo quanto a promoção de crescimento econômico serão mais difíceis para Lula agora do que em 2003, quando deu início ao primeiro mandato à frente da presidência da República.
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Naquela ocasião, ele tinha de largada o apoio de 207 nomes na Câmara dos Deputados – hoje são 140. Eram ainda 190 parlamentares de oposição e outros 116 com apoio condicionado ou independentes – agora são 214 e 159, respectivamente. No Senado Federal, a condição é ainda mais complicada: só 15 são da base lulista, enquanto há 34 opositores e outros 34 senadores que podem ou não dar eventual apoio.
– Mesmo sendo reconhecido como um bom articulador político, Lula terá dificuldade em se relacionar com a ala ideológica bolsonarista. Para complicar esse desafio teremos um próximo ano difícil, sobretudo pelo furo nas contas públicas. O país terá dificuldade de honrar os compromissos, e tudo isso será munição para os radicais – avalia o sociólogo.
Ainda assim, ele pondera haver hoje uma oposição menos alinhada ideologicamente e, portanto, mais aberta a negociar apoio, em especial dos partidos do “Centrão”. Scheeffer diz ainda que uma boa relação do Executivo com o Legislativo e também com o Judiciário, alvo de ataques ao longo do governo Bolsonaro, será fundamental não só em termos de governabilidade, mas também para dissipar o clima das eleições.
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O que esperar da transição de governo
Os três especialistas avaliam que o processo de conciliação no país poderia ter sido iniciado já por Bolsonaro, desde que tivesse sido contundente em reconhecer a derrota e a lisura do pleito. Ele se manteve, no entanto, em silêncio, até vir a público para agradecer pelos votos na última terça-feira, dia 1º de novembro. A transição de governo só foi anunciada por Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil.
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– O atual presidente perdeu uma boa oportunidade para começar esse processo. Um discurso admitindo claramente a derrota, desejando sucesso ao candidato eleito e não deixando dúvidas sobre o processo eleitoral seria um bom começo. O fato é que essa pacificação não iniciou – afirma Scheeffer, professor da Udesc.
– Ele já deu demonstrações de que não vai fazer mais do que fez até agora. Há uma incógnita sobre suas ações – emenda Borba, pesquisador da UFSC.
Já Guerini diz que a conduta do presidente endossou os bloqueios em rodovias, embora Bolsonaro tenha vindo a público na quarta-feira, dia 2, pedir o fim deles:
– A democracia pressupõe a alternância no poder, e a derrota tem de ser reconhecida pelos candidatos que disputaram a eleição presidencial. Os mesmos que votaram e perderam agora estão exigindo intervenção militar, algo que é crime do ponto de vista da Constituição Federal. Pregar golpe de Estado atenta contra ela, e as autoridades deveriam tratar isso como um crime contra o Brasil. Não há diálogo com criminosos e golpistas, e, sim, o uso do devido processo legal – defende o professor da Univali.
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Bolsonaro e a oposição
Guerini diz ainda avaliar que o presidente Bolsonaro, uma vez fora do cargo, deve se manter no cenário político mais ao estilo Donald Trump, que não se tornou um articulador da oposição nos Estados Unidos mesmo após derrotado nas eleições. Borba concorda com ele.
– Bolsonaro vai se colocar como uma liderança de extrema-direita, fazendo o que fez ao longo de sua carreira. Ele não tem agenda política para ser líder de oposição, não é um homem de partido. De alguma maneira, ele é um agitador – afirma o professor.
O acadêmico diz entender que a oposição programática da direita no país, que Bolsonaro disse em seu breve discurso pós-eleições existir de verdade agora no país, deverá ser protagonizada por três governadores deste campo político: Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul.
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