O Ministério Público de Santa Catarina protocolou uma “superdenúncia” contra o coach Felipe Francisco e outras 21 pessoas acusadas de receitar e vender ilegalmente medicamentos de uso controlado nas unidades da clínica F Coaching de Joinville e Balneário Camboriú. A ação aconteceu no início de outubro e foi detalhada pela promotoria na quarta-feira (18).

Continua depois da publicidade

Receba notícias de Joinville e região no WhatsApp

Clínica de coach em Joinville e Balneário Camboriú funcionava até como “farmácia”, diz MP

Com exceção da mãe do coach, os citados — entre médicos, biomédicos, nutricionistas e profissionais administrativos — já haviam sido denunciados no mês passado por integrar e promover organização criminosa pela atuação dentro das clínicas de luxo do empresário Felipe Francisco. Nesta segunda acusação, o nome de uma enfermeira surge como novidade.

Segundo a promotora de Justiça Elaine Rita Auerbach, esta nova denúncia é a principal contra a F Coaching e narra a participação de cada profissional no esquema. Conforme o MP, cada qual tinha sua função para que os crimes pudessem ser praticados sem levantar suspeitas. Dos acusados, oito seguem presos preventivamente e três permanecem em prisão domiciliar.

Continua depois da publicidade

A promotoria também pediu a suspensão do registro profissional dos envolvidos até que, pelo menos, as penas sejam cumpridas pelos denunciados. Após esta nova movimentação na Justiça, os conselhos regionais de medicina e nutrição pediram ao Ministério Público uma cópia do documento para instaurar procedimentos administrativos contra os profissionais.

Neste processo atual, as denúncias trazem casos da atuação da organização criminosa no período entre 2017 e 2021. Elaine afirma que 500 crimes foram atribuídos aos denunciados (desses, 260 somente a Felipe) por compra, venda e receita ilegal de medicamentos de uso controlado, no entanto, frisa que esta é uma “ínfima parcela do que aconteceu” e que as vítimas passam de milhares, já que havia nutricionistas que atendiam de cinco a dez pacientes por dia.

Receitas falsas e entregas a domicílio

De acordo com a promotora, a denúncia traz diversos prints de conversas entre profissionais e pacientes, recibos de compra e venda e outros materiais que mostram datas, locais e comprovam que ocorria a comercialização ilícita de medicamentos.

Continua depois da publicidade

Elaine diz que, quando se tinha receitas para obtenção dos remédios, elas eram falsas. Com a guia médica em mãos, os pacientes eram orientados a comprar as substâncias em locais específicos, o que configura venda-casada. Ela ainda cita que, quando o cliente era amigo e conhecido dos que atuavam na F Coaching, também recebia uma uma receita falsa, no entanto, era liberado para adquirir o produto onde quisesse.

— Também tinha fraude de preços, já que cobravam de 270% a 300% acima do que foi prescrito se os clientes comprassem em farmácias comuns. As vendas feitas pelo Felipe mudavam de acordo com o perfil financeiro do paciente e o lucro dele era muito maior que os nutricionistas — detalha a promotora.

Além de Felipe e da ex-esposa e nutricionista Letícia Cristina Baptista — ambos presos em Joinville —, outros profissionais da área de nutrição, biomédicas e a enfermeira envolvidas no esquema ficavam responsáveis pelo consumo desses remédios, já que os protocolos não receitavam apenas comprimidos e cápsulas, mas também substâncias injetáveis, principalmente anabolizantes e hormônios de crescimento muscular.

Os detalhes da denúncia que prendeu coach e outros médicos de Joinville e Balneário Camboriú

Médicos também foram alvo da operação e são apontados como responsáveis por, em algumas ocasiões, fazem a aplicação dos medicamentos, mas principalmente por assinarem receitas médicas em branco em larga escala que eram elaboradas pelos nutricionistas “ou por qualquer pessoa que trabalhasse na F Coaching”, diz Elaine.

Continua depois da publicidade

— Quase nunca precisava de receita e, quando precisava, era tudo assinado prontamente por médicos mesmo sem nunca terem atendido e prescrito o uso para aqueles pacientes. [Essas assinaturas] eram fundamentais para que essas vendas se consumassem, para que fossem fornecidos os medicamentos — destaca.

Inicialmente, as duas farmácias descritas como “o braço farmacêutico da organização criminosa” faziam as entregas dos medicamentos mesmo sem a guia médica, apenas por solicitação no WhatsApp. Com o decorrer do tempo, funcionários da clínica de luxo de Felipe Francisco passaram também a comprar e buscar essas substâncias e abasteciam, de forma ilegal, uma espécie de farmácia dentro do estabelecimento.

Os receituários eram feitos em nome dos próprios trabalhadores ou de clientes escolhidos “a bel-prazer”. A promotora ressalta, inclusive, que esses remédios eram armazenados sem a refrigeração necessária e tinham origem clandestina, sem liberação da Anvisa. Além disso, no dia em que foi desencadeada a Operação Venefica, algumas das medicações apreendidas estavam fora do prazo de validade.

— As receitas não tinham nenhuma indicação de quem realmente iria receber aquele medicamento. As clínicas compravam em larga escala para que o paciente, assim que fosse atendido, saísse e já começasse o tratamento com aplicação desses anabolizantes na própria clínica.

Continua depois da publicidade

Além da aplicação no local, motoboys foram contratados para que entregassem os anabolizantes e demais hormônios na casa de alguns pacientes, para que eles mesmos pudessem fazer as aplicações.

Organização criminosa foi dividida em cinco eixos

Conforme o Ministério Público, não é possível saber quando exatamente a quadrilha liderada por Felipe teve início, mas pelo menos desde 2010 ele e a mãe — que chegou a ser encaminhada ao presídio e agora está em prisão domiciliar — passaram a registrar empresas em nomes de laranjas.

O coach, inclusive, chegou a ser preso e condenado por atuar como nutricionista sem ter formação na área e vender medicamentos sem registro no Paraná, mas conseguiu livrar-se das grades. Mesmo monitorado por tornozeleira eletrônica, a partir de 2017, ele voltou a cometer os crimes, mas, desta vez, com esquema mais sofisticado, visando não deixar rastros.

Foi assim que montou uma espécie de estrutura administrativa para operacionalizar as clínicas, fazendo parceria com profissionais que passaram a compôr a “engrenagem ilícita”. Este movimento, segundo o MP, foi fundamental para que os crimes “fossem cometidos por tanto tempo e para que fosse mantida a impunidade do bando”.

Continua depois da publicidade

O “núcleo técnico”, portanto, foi dividido em cinco eixos:

  • Nutricionistas: a quem cabia fazer as prescrições de substâncias medicinais, psicoativas, e de uso controlado mediante a obtenção de “altas comissões”;
  • Biomédicas: a quem cabia a aplicação dos injetáveis, como anabolizantes e medicamentos manipulados injetáveis de protocolos criados por Felipe na própria clínica;
  • Médicos: a quem cabia a assinatura das receitas efetuadas por Felipe e pelos nutricionistas, ou a autorização mediante contraprestação financeira para a livre emissão de receitas médicas com seus dados e assinaturas;
  • Funcionários do administrativo: a quem cabia a guarda, depósito e controle do estoque dos medicamentos para a venda, substâncias ilicitamente vendidas e entregues a consumo no local, assim como a aquisição de tais produtos, realização de pedidos dos produtos com fins terapêuticos e medicinais, em sua grande maioria anabolizantes e manipulados prescritos pelo bando e a sua entrega aos consumidores;
  • Farmácias de manipulação: as quais aviavam as receitas ilicitamente recebidas dos integrantes da F Coaching, alteravam produtos para fins terapêuticos e medicinais, criando compostos em desacordo com as autorizações e normas sanitárias, omitiam informações nos rótulos das fórmulas, e ainda incluindo no rótulo, muitas vezes, substâncias diversas daquelas constantes na composição do produto, com o único fim de criar um falso encarecimento desses produtos para garantir o superfaturamento da quadrilha.

Leia também

Veja quais são as clínicas de luxo interditadas em investigação que prendeu coach em SC

Quem é o coach dono de clínicas de luxo em Balneário Camboriú e Joinville preso em operação

Luxo, viagens e ostentação: o perfil dos presos em esquema de coach de SC