Tornou-se tradição já consagrada a espera dos cem primeiros dias de um governo para avaliá-lo. É quase um clichê.
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No caso do presidente paraguaio Federico Franco, cujos primeiros cem dias de administração fecham para balanço neste domingo, tal reflexão ganha em relevância. Forjada pelo impeachment meteórico do ex-presidente Fernando Lugo, a atual gestão se propõe a ser um contraponto à anterior – e influi diretamente na vida dos milhares de brasileiros que lá vivem.
O que se viu nesses cem primeiros dias do governo que terá duração de um ano? Franco costuma parafrasear o ex-presidente brasileiro Juscelino Kubitschek (que adotou o bordão dos 50 anos em cinco): quer fazer “cinco anos em um”. Será que ele consegue atingir tal meta?
Novas orientações já se fazem sentir. Medidas que antes eram vistas como tabu deixaram de sê-lo.
Até a autorização para plantar algodão e milho transgênicos, algo inconcebível no governo anterior, teve copa franca. Terras que teriam como destino a reforça agrária passaram a ser avaliadas pelo preço de mercado em caso de venda. Propriedades sob suspeita de irregularidade deixaram de ser auditadas. Tudo para arrepio de trabalhadores, que classificam o novo governo como um inimigo, aliado de latifundiários usurpadores.
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Aparentemente, uma medida poderia ser considerada simpática à esquerda: Franco se dispôs a industrializar o país e, com isso, consumir parte da energia ociosa que é repassada com preços generosos para o Brasil – assim, afinal, reza o acordo bilateral. Em tese, perfeito.
O problema é que o método não satisfaz aos apoiadores do ex-presidente Fernando Lugo. O novo governante se aferrou ao projeto de instalar uma fábrica de alumínio da multinacional Río Tinto Alcan. Em 16 de julho, criou o grupo especial para negociar com a empresa, em um empreendimento de US$ 4 bilhões, capaz de duplicar o consumo da energia de Itaipu – velho sonho paraguaio.
Pressa em tomar medidas pode ser um complicador
Até simpatizantes, ao mesmo tempo em que elogiam o incremento de 30% na arrecadação, a austeridade nos gastos públicos e a segurança jurídica, torcem o nariz para as medidas que muitos consideram afoitas – em especial, a da Río Tinto.
– O presidente Franco, na ânsia de deixar na história seu governo, poderá ser considerado o de maior prejuízo econômico ao país se não conseguir, já, repensar mais detalhadamente posições sobre determinados assuntos. A maior necessidade do Paraguai é de um planejamento de longo prazo – diz Wagner Weber, do centro empresarial Paraguai-Brasil (Braspar), entusiasta do novo governo, porém refratário a algumas ações mais afoitas.
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Os que já eram críticos ao governo, então, não veem motivo para mudar de ideia. Muito menos para festejar os cem dias por muitos comemorados.
– No campo, há um nítido retrocesso. A política agrária do governo levará o país a concentrar ainda mais suas terras – lamenta Luís Aguayo, da Mesa Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas.
As mudanças das nova gestão
MÁQUINA PÚBLICA
– Franco começou a enxugar o quadro de funcionários públicos. Promoveu uma série de demissões – o que provocou certo ressentimento de parte do funcionalismo. E conseguiu aumentar a arrecadação em 30%, o que lhe reforçou a imagem de gestor.
POLÍTICA ECONÔMICA
– Tem buscado financiamentos externos, independentemente de empréstimos dos organismos multilaterais ou das doações de países amigos. Fala em inserir o Paraguai na comunidade financeira internacional, indo além dos limites do Mercosul.
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ÁREA SOCIAL
– Emite sinais de estabilidade para os imigrantes – como os brasiguaios. Desagrada aos trabalhadores rurais. Orientou o Indert (o Incra local) a confirmar os títulos de propriedade dos brasiguaios. E, ao mesmo tempo, promete manter conquistas de Lugo na educação e na saúde.
POLÍTICA EXTERNA
– Em 29 de junho, o Paraguai foi suspenso do Mercosul – até abril de 2013, quando terá eleições presidenciais. Brasil, Argentina e Uruguai discordaram da forma como Lugo foi destituído do poder. Franco não lida bem com isso. Não há sinais de reaproximação. Pelo contrário.