A escolta em velocidade leva a juíza Jussara Schittler dos Santos. A magistrada, de voz calma e paciente no trato, não quer contato com jornalistas.

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Dentro dos carros, policiais armados com a missão de levá-la com segurança ao julgamento que preside, de 98 réus, entre líderes e executores dos atentados a ônibus e unidades policiais do Estado, acusados de formação de quadrilha e associação para o tráfico.

O destino é a sala montada em um pavilhão de 150 metros quadrados no complexo penitenciário da Canhanduba, em Itajaí, Litoral Norte. A juíza é uma das primeiras a chegar, cedo da manhã, e uma das últimas a ir embora, à noite.

O ambiente chegou a comportar 200 pessoas, entre presos com uniformes laranjas, policiais, advogados, agentes e servidores. Ao microfone, perguntas às testemunhas, olhares, pedidos de a parte a cada momento, tensão e pressão no ar.

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No pequeno intervalo para anotações e checagem das falas, um pedido de silêncio dela irrompe para a continuação dos interrogatórios. A juíza não permite o acesso à imprensa. Nem via assessoria de imprensa as informações ultrapassaram dados superficiais, como quantidade de pessoas ouvidas.

A regra é cumprir o sigilo judicial contra réus do crime organizado. São protagonistas de mais de uma centena de ataques a veículos e prédios públicos. A sessão é fechada e nenhuma imagem tem sido divulgada.

Nos bastidores da movimentação dentro e nos arredores da Canhanduba, ficou sugerido que o tribunal pode não ter sido aberto à imprensa por cautela, evitando a exposição da juíza e do promotor do caso, Flávio Duarte de Souza, ambos atuantes em Blumenau – o promotor tem atendido os jornalistas por telefone e confidenciou que estaria com viagem marcada para fora do país após o julgamento.

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Por um deslize, a blindagem da juíza chegou a ser quebrada por poucas horas na quinta-feira, pela Polícia Militar, que postou fotos do tribunal improvisado, na qual a magistrada aparecia ao lado do subcomandante-geral da corporação, coronel Valdemir Cabral. As imagens foram rapidamente retiradas do site da PM.

– Oh doutora, e a família? – indagou num dos intervalos um advogado a ela.

Como resposta, ouviu que a juíza chega casa às 2h para sair às 6h e retornar ao tribunal, dando a entender que tem dormido uma média de quatro horas por dia.

Prestigiada no meio policial

Conhecida pelo pulso firme nas decisões, a juíza de Blumenau é prestigiada no meio policial em razão do entrosamento demonstrado na investigação dos atentados e o perfil claro de combater o crime.

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Esses teriam sido alguns pontos levados em conta pela Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic) ao pedir, em Blumenau, as medidas cautelares da apuração criminal, como interceptações telefônicas e prisões preventivas, e não em Florianópolis, onde havia receio de que juízes indeferissem os pedidos.

A vida sob proteção de Jussara Schittler dos Santos Wandscheer faz sentido, levando-se em conta o histórico da facção criminosa Primeiro Grupo Catarinense (PGC), acusada de tirar vidas de quem os cobra pelo cumprimento da lei.

O exemplo mais emblemático é a execução da agente penitenciária Deise Alves, em 2012, mulher do ex-diretor da Penitenciária de São Pedro Alcântara, Carlos Alves, que ousou cortar regalias e impor regras dentro da prisão que comandava e onde ficava o quartel-general do bando.

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A presença de Carlos Alves

Alvo do PGC, Carlos Alves também aparece na Canhanduba durante o julgamento. No carro ou a pé, o agente é visto portando uma metralhadora preta. Integra o grupo de intervenção tática do Departamento de Administração Prisional (Deap), pois é considerado um dos principais especialistas nesse tipo de operação.

O advogado Francisco Ferreira, que defende cinco réus, considera a presença de Alves uma afronta do Estado ao Judiciário, já que o agente é réu num outro processo por tortura a presos e que estaria diretamente ligado à suposta retaliação que deu início à série de ataques.

Nem todos os atentados serão punidos

E os autores dos atentados em novembro e fevereiro muito possivelmente escaparão da punição máxima. Isso porque, conforme o Ministério Público, em algumas cidades sequer há boletim de ocorrência registrado e inquérito policial relatando os crimes de dano e incêndio.

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A facção é julgada por formação de quadrilha e associação para o tráfico de drogas, a principal forma que arrecada dinheiro.

O professor de Direito Penal Alceu de Oliveira Pinto Junior observa que, caso não haja provas do crime de tráfico e considerando que não estão sendo processados por crimes diretos aos ataques, as penas poderão ser baixas em eventual condenações.

Por que advogados podem ser soltos

Os advogados Simone Gonçalves Vissotto, Gustavo Gasparino Becker e João de Souza Barros Filho, presos desde fevereiro por suspeita de relação com o PGC, poderão ser soltos.

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As defesas afirmam que não haverá mais risco de impedimento na produção das provas. Eles estão com prisão preventiva decretada, detidos no 8º Batalhão da Polícia Militar, em Joinville, e são acusados de ser leva e traz de informações da facção.

Outras duas advogadas já estão em liberdade: Fernanda Fleck Freitas, liberada pelo mesmo argumento das defesa em agosto, ao fim das audiências do julgamento da morte da agente Deise Alves, em São José, e Francine Brugemann, solta em abril.

Nas audiências, os cerca de 50 advogados que defendem os réus fazem perguntas às testemunhas. Todos falam ao microfone e a juíza tem sido flexível na autorização da indagação.

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A sala chega a abrigar 200 pessoas participantes, entre a segurança e os envolvidos, num ambiente de exaustão.

Sentença não sairá ao fim dos depoimentos

Com o alongamento dos depoimentos das testemunhas, o julgamento deverá se estender até a próxima sexta-feira. Na segunda começarão a ser ouvidas as testemunhas de defesa. Dificilmente será proferida a sentença agora.

Pelo Código de Processo Penal, diz o professor Alceu de Oliveira, a sentença deveria ser dada na própria audiência, após as alegações finais orais de acusação e defesa. Mas nunca é assim. Ainda mais em processos complexos, com milhares de páginas.

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O juiz costuma dar prazo às partes para alegações finais e depois fundamenta a sentença em gabinete. Uma situação diferente dos júris populares que julgam os crimes contra a vida, onde ao final é lida a condenação ou a absolvição.

A Canhanduba

Abriga 1,1 mil presos, num presídio, penitenciária e ala de semiaberto. O julgamento ocorre ao lado do presídio, num pavilhão novo não ocupado. À noite, em razão do descampado próximo, é possível ouvir da guarita os detentos falando alto para se comunicar entre as galerias.

Gritos, frases com códigos, comunicados e até piadas são pronunciados até as 22h, quando as luzes são apagadas. De dia, a cena marcante na ala do semiaberto é os detentos caminhando de um lado para o outro sem parar.

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A cadeia tem menos de três anos de inauguração. Desde então foram registradas pelo menos duas fugas. Numa delas, em dezembro de 2011, seis escaparam.

* Colaborou Ânderson Silva