*Por Rachel Abrams

LOS ANGELES – Kiran Subramaniam estava na casa dos 20 e poucos anos quando foi contratada como assistente na ICM, uma das quatro maiores agências de talentos de Los Angeles. O trabalho pagava US$ 12 por hora. Um dia, seu chefe, um agente, jogou um pequeno pacote em sua cabeça depois que ela o colocou sobre a mesa dele de um jeito que ele não gostou. Ela se abaixou, mas o pacote chegou a bater em seu rosto. Em seguida, ela ameaçou pedir as contas e ele se desculpou dizendo que havia sido uma brincadeira. Subramaniam decidiu ficar – porém se sentiu péssima, disse ela.

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Pouco tempo depois, seu chefe lhe disse que havia estacionado seu Porsche em algum lugar e não conseguia achá-lo. Ela saiu do prédio da ICM, passou pela Cartier e pela Chanel, olhou atenciosamente para cada Porsche estacionado ao longo da Rodeo Drive, mas nenhum era o dele. Voltou para o escritório esperando outra reação negativa dele, mas tudo o que ele disse foi: "Se eu não o encontrar, comprarei um novo."

Essa é a vida de um assistente de Hollywood, um trabalho que há muito tempo serve de campo de testes para futuros executivos e produtores, educando-os nos meandros da indústria do entretenimento e mostrando-lhes a realidade por trás da fachada cheia de glamour. Mas, apesar de as gerações passadas terem aguentado os abusos, muitos dessa nova safra de mão de obra iniciante em Hollywood, encorajados pelo movimento #MeToo, se uniram para conseguir melhores salários e ser mais bem tratados por seus chefes, ocasionalmente mercuriais. "Acho que não podemos mais ficar calados sobre certas coisas", disse Subramaniam, de 31 anos.

Em um domingo recente, Subramaniam, uma aspirante a roteirista de televisão que não trabalha mais na ICM, se juntou a um grupo de mais de 100 assistentes em um debate em formato de assembleia. Eles compartilharam suas histórias de horror no ambiente de trabalho e conversaram sobre como seus salários não acompanharam o aumento dos aluguéis. Disseram que, cada vez mais, o setor trabalha contra pessoas que não têm suporte financeiro externo, ou seja, os empregos de baixo nível tendem a ficar com pessoas que têm condições de aceitá-los.

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Muitos dos que foram à reunião participaram de uma pesquisa on-line com a hashtag #PayUpHollywood (Aumente Nossos Salários, Hollywood, em tradução literal). Mais de 100 das 1.500 pessoas que responderam à pesquisa relataram que um chefe já havia atirado algum objeto neles, e a maioria disse que ganhava US$ 50 mil por ano ou menos. Em uma cidade onde o aluguel custa, em média, US$ 2.500 por mês, eles seriam considerados "burndened", ou sobrecarregados, um termo que o Pew Research Center usa para descrever pessoas que gastam um terço ou mais de sua renda em moradia.

realidade em Hollywood
(Foto: Rozette Rago / The New York Times )

A pesquisa #PayUpHollywood foi criada por Liz Alper, membro do conselho de diretores do Writers Guild of America West, o sindicato que representa os roteiristas de televisão e cinema do oeste dos Estados Unidos; Deirdre Mangan, escritora do programa de televisão "Roswell, New Mexico"; e Jamarah Hayner, consultora de mídia que trabalhou com a senadora americana Kamala Harris e o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg.

Os escritores veteranos John August e Craig Mazin recentemente chamaram a atenção para a situação dos assistentes por meio de seu podcast "Scriptnotes". Sobre a assembleia, August, cujos créditos incluem o filme independente "Go" e o sucesso de bilheteria da Disney "Aladdin", disse que a indústria está mais desfavorável para os trabalhadores mais jovens agora do que quando ele começou. "Tradicionalmente, você entra e começa a subir a escada. Algumas pessoas nem conseguem chegar ao início da escada por causa das estruturas que temos aqui", contou à plateia.

August disse que, quando trabalhou como assistente nos anos 90, seu salário bruto era cerca de US$ 500 por semana, mais do que o dobro do salário mínimo na época. "Meu salário era suficiente para alugar um apartamento de um dormitório em West Hollywood, o que seria considerado extravagante hoje em dia", afirmou em uma entrevista.

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Desde 2000, o aluguel médio no condado de Los Angeles subiu mais de 40 por cento, de acordo com dados do Census Bureau, e vários assistentes disseram que o salário semanal não mudou em relação ao que o August ganhava mais de 20 anos atrás – cerca de US$ 500 líquidos.

Em setembro, August e Mazin, que é o showrunner do seriado "Chernobyl", da HBO, pediram a seus ouvintes do podcast que lhes contassem segredos abertos de Hollywood. Um e-mail de Kelley Mathys, uma assistente de 30 anos, chamou a atenção deles: "Acho que, em algum momento, todos acordarão a respeito da baixa remuneração dos assistentes." Ela completou que seu primeiro trabalho, em 2011, pagava US$ 375 por semana, o que totalizava US$ 19.500 por ano.

August e Mazin disseram que queriam mais mensagens, e o pedido atraiu mais de 100 e-mails de assistentes descrevendo baixos salários, longas jornadas de trabalho e bullyings de chefes. Em uma entrevista, Mathys disse que discorda do argumento de que as difíceis condições de trabalho de Hollywood são necessárias para deixar mais fortes os jovens que querem fazer carreira.

"Não somos da Navy SEAL [a tropa de elite da Marinha dos EUA]. Isso não é uma questão de vida ou morte. Portanto, não entendo a sugestão de que é preciso haver esse estresse para trabalhar em desenvolvimento", disse ela.

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Os baixos salários são outro ponto para os assistentes, assim como a falta de estabilidade no emprego. Olga Lexell, de 27 anos, disse que ganhava um salário mínimo, além de horas extras, como assistente de produção de roteiristas em um programa de TV em 2016. O trabalho vinha com uma garantia de 60 horas por semana, que resultavam em cerca de US$ 700 brutos.

Quando o estúdio cortou suas horas na temporada seguinte, Lexell e um colega procuraram um showrunner para pedir aumento. No entanto, assim como a maioria dos mais de 30 assistentes entrevistados para este artigo, Lexell afirmou que os trabalhadores em sua posição têm pouca ou nenhuma margem para negociar. O showrunner disse: "Vocês têm sorte de ter esses empregos. Consigo encontrar pessoas que fariam isso de graça", lembrou Lexell.

realidades em hollywood
(Foto: Rozette Rago / The New York Times )

Durante as semanas em que o seriado não estava em produção, Lexell disse que recorreu ao seguro-desemprego. Como os assistentes trabalham em horários irregulares, é difícil completar a renda com um segundo emprego, informaram. "Eu não conseguia nem um emprego de garçonete, porque nem sempre era possível sair do trabalho todos os dias às sete", disse Noah Silverman, de 27 anos, assistente de uma produtora de filmes e programas de televisão.

Salários baixos significam que os trabalhadores iniciantes de Hollywood provavelmente têm apoio financeiro externo, disseram os assistentes. O resultado é que – em um setor que gosta de ser visto como defensor da diversidade e de outras causas progressistas – as pessoas que são admitidas tendem a vir de situações mais privilegiadas. A pesquisa #PayUpHollywood constatou que a grande maioria daqueles que contam com assistência financeira externa se identifica como branca.

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Uma das coisas que mais atraentes nesse trabalho é saber o que está acontecendo nos bastidores. Porém estar próximo de tudo também mostra aos assistentes que o comportamento privado dos poderosos tipicamente liberais do setor vai de encontro aos seus pronunciamentos públicos.

"Você verá figurões de um estúdio ou de um canal de televisão enorme discursando no tapete vermelho ou no Globo de Ouro. Mas algumas dessas pessoas tratam seus assistentes de forma horrível", disse Silverman.

Os esforços dessa nova geração de assistentes já produziram melhorias tangíveis. A agência de talentos Verve, de Hollywood, anunciou no mês passado que aumentaria o salário dos funcionários e assistentes da sala de correspondência em 25 a 40 por cento, a partir de 1º de janeiro. "O #PayUpHollywood certamente chamou nossa atenção para as questões que existem na comunidade e potencialmente entre nossas próprias paredes", disse Bill Weinstein, sócio fundador da agência.

A ICM anunciou no mês passado que seus assistentes receberiam um 13º salário, além dos bônus. Em relação ao agente que teria jogado um pacote na cabeça de sua assistente, a ICM informou em um comunicado: "Não toleramos esse tipo de comportamento e estamos comprometidos com um ambiente de trabalho seguro, profissional e de apoio."

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