As Copas sempre serviram para introduzir e consolidar novas regras para o futebol. Até o Mundial de 1970, por exemplo, não se permitiam substituições de jogadores. Se algum se machucava, deixava o campo ou se refugiava em algum lugar ermo do gramado, conformado em fazer número. Recentemente, uma alteração não suficientemente percebida permite 12 jogadores na reserva, garantindo aos técnicos um repertório muito maior de possibilidades. A tecnologia também tem entrado em campo, com implicações que podem, e devem, ser discutidas.
Continua depois da publicidade
Uma questão presente ao se comentar as arbitragens das Copas ao longo do tempo diz respeito aos estilos: à linha sul-americana ou à escola europeia. No passado, quando os árbitros trabalhavam basicamente em seus países e inexistia um esforço de uniformização de critérios, as arbitragens refletiam um estilo que correspondia ao futebol jogado em seus países. O Brasil sempre foi muito alegre, animado, disposto, divertido, e isso se manifestava na arbitragem, que era mais condescendente. Já o modelo da Inglaterra, ao qual mais recorremos porque lá começou o futebol, tinha um padrão de concessão à rudeza do jogo, eliminando-se, por certo, deslealdades como o pontapé, a sola, a cabeçada proposital, o grande empurrão. Hoje, gradativamente se observa que as arbitragens se encaminham para esta concessão. O futebol está sendo submetido a um processo de civilização e vai se tornar gradativamente também um jogo de força, energia, velocidade, confronto, mas leal.
Essa transformação, entretanto, está em desenvolvimento. Tomemos o caso do Neymar, um menino que se afirma na Europa, embora ainda receba acusações de dissimulação. Neymar tem um modo de jogar que lhe é peculiar: ótimo domínio de bola e um início de jogada muito rápido. Isso acarreta ao adversário uma circunstância muito ruim, de perda de iniciativa. Por isso, Neymar, e também Messi, sofre muitas faltas por jogo. Com a habilidade que tem, deixa seus marcadores para trás, ou de lado, e isso tem de ser corrigido pelo adversário através de um esforço físico que muitas vezes se traduz em faltas. No meio disso, insinua-se a dissimulação. O árbitro é induzido ao engano, e aí reside o ódio europeu: eles não aceitam que se fraude a arbitragem. Esse é um desvio que se atribui muito ao jogador sul-americano, talvez porque seja mais habilidoso, tem uma insistência na jogada de afirmação pessoal, e na pessoalidade dessa relação se dá o conflito.
Na ocasião de um evento tão importante como a Copa do Mundo, é de se esperar que os árbitros troquem impressões entre si, reconheçam como cada jogador resolve seus problemas ou cria suas dificuldades. Isso leva os leva a terem uma precaução e, nos piores casos, uma prevenção. E prevenção é muito ruim, embora praticamente inevitável. Para mim, a grande qualidade de um árbitro é que ele não pode e não deve decidir a partir de um preconceito sobre o jogador. Ou seja, ele não deveria apitar a partir de um conceito prévio, deveria arbitrar o episódio em tempo real.
Isso determina uma relação fortemente humana, já que o árbitro é falível como qualquer um de nós, embora a ele caibam decisões inabaláveis, irrecorríveis e imediatas. A maioria das pessoas pede tempo para tomar uma decisão – o árbitro não tem esse direito. E ainda tem o dever de acertar sempre.
Continua depois da publicidade