O sobrenome deixa clara a origem do empresário e cientista político Luiz Philippe de Orleans e Bragança. Filho de Dom Eudes, ele é sobrinho de Dom Luís Gastão, o príncipe que seria entronizado rei do Brasil caso a monarquia voltasse. Mas não foi ostentando o sangue azul da descendência real – ou melhor, imperial – que este carioca de 48 anos se notabilizou, e sim falando sobre sistemas de governo e tamanho do Estado. Primeiro como ativista e, a partir do ano passado, como autor do best-seller Por Que o Brasil é um País Atrasado.
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Fundador do Acorda Brasil, um dos movimentos que foram às ruas exigir o impeachment de Dilma Rousseff, Luiz Philippe não parou mais de militar após a destituição da então presidente. A causa que defende é a reforma política. Para ele, Estados e municípios deveriam ter maior autonomia para gerir recursos e estipular leis. O voto deveria ser distrital, pois dessa maneira, acredita, “haveria legitimidade local porque o seu representante seria alguém que morasse no seu bairro”.
Essas e outras ideias – contextualizadas no processo histórico – foram reunidas no livro que, desde o lançamento, frequenta as listas de mais vendidos. A tentação de transformar o título da obra em pergunta para começar uma conversa com o nobre autor é grande (e, convenhamos, bem previsível). A resposta, porém, nunca será simples. Passa pela “organização do Estado” e pelas demais questões em que ele expõe seus pontos de vista, conforme pode ser conferido na entrevista a seguir.
O que o levou a escrever este livro?
Há três anos me tornei um ativista político, e em função disso o livro foi brotando como uma necessidade para fundamentar boa parte do que eu estava analisando para os movimentos que estavam surgindo na época. Como tenho um histórico acadêmico forte em ciências políticas, me senti à vontade para fazer sínteses pontuais da situação do Brasil para esses grupos. Depois de uma série de palestras, pensei: “Bom, é melhor eu concatenar isso tudo em um livro, para atingir um público maior e deixar isso mais perene”. A fundamentação dos nossos problemas, na minha opinião, é relevante para o nosso progresso.
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O quanto a monarquia e o Império são responsáveis pelas mazelas que o senhor aponta no livro?
A única mazela que consigo detectar na verdade foi uma virtude na época: o centralismo político. Se não tivesse sido criado um Estado unitário, centralizado, com a figura do imperador mais veemente, isso aqui, com esse tamanho todo, iria virar uma anarquia.
Como suas ideias liberais foram recebidas por esses grupos pró-impeachment de Dilma Rousseff, já que vários deles pregam o oposto, uma intervenção maior do Estado na economia?
Lá em 2014, os primeiros grupos que se posicionaram contra Dilma Rousseff não eram liberais, eram contra a corrupção. Mas, dentro desse levante, a conscientização da necessidade do liberalismo era muito grande. A explicação de por que existe corrupção, por que uma pessoa como Dilma é eleita, passa por isso. A narrativa que se encaixa de uma maneira racional é que o Estado é demasiadamente grande, os governos são interventores por natureza. Essa natureza tem sido a causa de boa parte da nossa corrupção, da nossa tributação excessiva, de nossa economia letárgica. Em 2015, já houve uma distinção entre os movimentos anticorrupção, como o Vem Pra Rua, e os liberais, como o MBL (Movimento Brasil Livre), o Avança Brasil e o Acorda Brasil, que é o meu. O ponto de convergência era que todos apoiavam o impeachment. Mas no início eu já falava que não bastava remover Dilma, que tínhamos que promover uma ampla reforma do Estado, com voto distrital, recall de mandato, referendo popular, descentralização política. Os problemas que vivemos têm a ver com isso, não com o PT. O PT era só o corrupto da vez, agora é o PMDB. Não importa de qual partido seja o próximo eleito: pelo sistema atual, há a necessidade de corromper para poder governar. Com essa Constituição, o que estamos vivendo hoje ainda vai durar por muito tempo.
É por isso que o senhor escreve no livro que a Constituição de 1988 não promove o Estado de direito? O que ela promove, então?
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Que bom que você captou essa nuance, tomara que capte a explicação (risos). A verdade é a seguinte: ou quem manda são as leis, e isso de fato é o Estado de direito, ou quem manda são outros poderes – o Executivo, por meio de uma ditadura, ou o povo. Nenhuma dessas duas alternativas é boa. Não podemos ter o poder exercido por uma só pessoa (ou grupo de pessoas, como as oligarquias que temos hoje) ou pela “ditadura da maioria”, que sufoca o direito dos indivíduos. Então temos que ter leis que dão responsabilidade e proteção a todos os cidadãos, indistintamente de classe, de grupos majoritários. Cada indivíduo tem que ter a sua proteção legal. Essa Constituição não promove isso, o direito individual. Ela abre espaço para que classes de poder tenham direitos que se sobreponham aos direitos individuais. Conclusão: nem todos são iguais perante a lei. Quando essas classes se mobilizam, começam a ocorrer exceções à lei. Exemplo óbvio disso: todos os políticos. Eles não obedecem a mesma lei que nós, cidadãos que não estão dentro do Estado. Têm foro privilegiado, uma série de benesses que não nos é concedida. Outro exemplo: sindicalistas.
Integrantes do Judiciário também poderiam ser enquadrados dentro dessas exceções?
Sem dúvida, e não apenas o Judiciário. A Constituição foi feita por – é um termo ruim, mas OK – facções, por diferentes oligarquias políticas, cada uma alimentando seus interesses. Ficou uma colcha de retalhos de direitos, e quem de fato obedece a carga legislativa é o indivíduo que não pertence a nenhuma dessas classes.
O senhor fala também sobre tirania de Estado, poderia explicar do que se trata?
Temos um Estado que comanda e nós, o povo, que obedecemos as leis e pagamos tributos. Não há nenhum mecanismo para que nós mandemos também, ou ao menos para limitar os poderes do Estado. O voto não é a única coisa! Nos países desenvolvidos, além do voto há uma série de dispositivos para que a sociedade possa ter voz ativa durante o governo.
Como o recall de mandato, por exemplo?
Exatamente. No ano passado nos Estados Unidos houve o recall de quase 300 pessoas eleitas. Na Suíça, Alemanha, Áustria, Inglaterra, Canadá isso também é corrente. A proximidade entre eleitor e eleito fica muito mais estreita.
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Como funcionaria na prática?
Muito fácil. Você, como cidadão, faria um abaixo-assinado porque o seu candidato, ao ser eleito, adotou medidas contrárias ao que prometeu na campanha. O percentual varia por país e por cargo, mas vamos supor que, no Brasil, com a adesão de 1% ou 2% do eleitorado esse abaixo-assinado seria submetido ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O tribunal revisaria as assinaturas. Elas, sendo válidas, uma nova eleição para aquele cargo seria convocada. No caso do Executivo, como um governador, é muito simples. No momento em que fosse chamada uma nova eleição ele teria duas opções: renunciar ou concorrer novamente. Se ele se reeleger, sairá muito mais forte e se reafirma como o poder legítimo, com segurança para continuar o mandato. Se perder, fica inelegível durante um período bem longo. Nos países desenvolvidos, normalmente esse processo leva de três a seis meses.
Liberais como o senhor falam muito em Estado mínimo. Isso atingiria também os subsídios concedidos à iniciativa privada?
Olha, o Estado não ajuda a livre iniciativa, pelo contrário.
E quanto à desoneração de folha salarial, energia elétrica mais barata para grandes empresas, financiamentos a juros menores do que os praticados no mercado, enfim, vários artifícios que o Estado dispõe para alavancar a atividade econômica?
Não pode haver subsídios. A lei tem que prevalecer para todos. Por que somente alguns têm benefícios? Na verdade, o que acontece é que as grandes empresas toleram tanta regulamentação porque só elas conseguem sobreviver em um ambiente assim. Os pequenos e médios não conseguem competir. Em um sistema liberal de fato, isso não ocorre. Se há uma regulamentação, ela é imposta sobre todos. Mas o que proponho não é um Estado mínimo, é um Estado adequado, reorganizado, em que o poder federal não mande tanto quanto hoje. Pode ser que haja um Estado – e aí estou falando de unidade da federação – mais liberal, outro menos.
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Isso não estimularia uma guerra fiscal entre os Estados para atrair investimentos?
Sim, mas eu não chamo de guerra, e sim de competição. O uso dessa semântica tem impacto político: ninguém é a favor de guerra. Com isso (a competição entre Estados), vai acontecer uma concentração dos meios de produção. Então os Estados menos eficientes, que não têm mão de obra, não têm infraestrutura, vão ser sempre periféricos. A indústria e os serviços naturalmente vão se estabelecer em Estados que proporcionem condições melhores.
Do jeito que o senhor fala, não parece uma espécie de darwinismo econômico, no qual só os Estados já mais ricos e desenvolvidos vão sobreviver, acentuando a desigualdade?
A desigualdade sempre existirá. Mas é o contrário do que você está falando. Se não for permitida a competição entre Estados, eles nunca vão conseguir se desenvolver e diminuir suas desigualdades, porque cada Estado tem propostas, localização geográfica e vocações diferentes. Como outro Estado vai competir com Santa Catarina de igual para igual, com todos os altos índices de qualidade de vida que vocês têm? Impossível, a não ser que reduza impostos para atrair investimentos. Se eu fosse industrial, onde é que eu montaria minha fábrica? “Ah, o Brasil inteiro tem a mesma carga tributária. Então vou para Santa Catarina, que tem infraestrutura e mão de obra.” “Ah, no Amazonas a tributação é zero. Opa, vou para lá.” É isso que vai equilibrar as forças entre os Estados e fazer com que cada um ache seu propósito. Cada Estado deve ser livre e cada consumidor/eleitor daquele Estado deve ter o maior número de escolhas possível. O fator migratório é reflexo disso: as pessoas vão para onde terão melhores empregos, melhores salários. Os migrantes da Síria atravessaram Hungria, Grécia, Áustria, mas não ficaram lá, foram para a Alemanha.
O senhor é liberal somente em política e economia ou também em questões que envolvem aborto, união homoafetiva, descriminalização da maconha e outros pontos caros à agenda social?
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Não, quanto a algumas questões sociais eu sou bem conservador. O liberal não vê necessidade de controlar fluxo migratório, eu acho que deve ter. Temos também que ter uma proteção à família, para que ela não seja violada por esses modismos que surgiram nos últimos anos basicamente para desestruturar a família cristã. Acho que tem que ter repressão total às drogas, não apenas parcial.
Mas, por exemplo, em questões de gênero, o Estado não está se metendo em assuntos que são puramente de foro íntimo?
Não, absolutamente! Como é que eu diria (pausa)… Essas questões nem deveriam ser trazidas à tona. Vamos discutir o aborto? Não, não vamos discutir o aborto. É a mesma coisa que eu propor a você que a gente discuta o direito da criança matar o pai. Claro que não vamos! Então também não vamos discutir o infanticídio. Idem para ideologia de gênero. Qualquer coisa que destrói a família, destrói a sociedade e o Estado. Não quero reprimir ninguém, gay, seja o que for. Agora, criar políticas de Estado que vão ajudar a fomentar isso, não. Tolerância, sim; promoção, não.
Passa pela sua cabeça disputar algum cargo eletivo?
Eu já faço política como ativista. Com relação a disputar cargos, sou filiado ao Partido Novo e volta e meia surge a demanda por eu ser candidato. Mas meus colegas liberais me acham conservador demais; e os conservadores, liberal demais (risos).
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Se o monarquia voltasse no Brasil, o senhor estaria na linha sucessória?
Não, não (risos). Sou apenas um entusiasta da causa monárquica, mas não seria o monarca.