Noite de luar, um casal caminha pelo bosque a olhar a lua que iluminava o céu, sombreado somente pelos ramos dos carvalhos. Nisto, tomada de arrependimento, a mulher declara-se grávida de outro homem, seu grande pecado e, ao mesmo tempo, sua grande benção. Talvez inesperadamente, a reação de seu amante foi de aceitação: você terá a criança para mim, como se fosse meu. Você trouxe o brilho para dentro de mim. Por fim, ele a agarra pelos amplos quadris, suas respirações se beijam na brisa. São duas pessoas que andam pelo sublime em uma noite brilhante.

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Pois essa é a história do poema de Richard Dehmel que inspirou Schoenberg em seu Verklärte Nacht, que encerrou o concerto da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre na noite desta terça-feira (21/5), no Teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa, na Capital. A última vez que essa obra foi realizada pela OSPA, foi nos idos de 1953, regida pelo saudoso maestro Pablo Komlos.

Originalmente escrita para sexteto de cordas, em 1899, Verklärte Nacht (Noite Transfigurada), op. 4, foi posteriormente arranjada, pelo compositor, para orquestra de cordas. Nela, observa-se a união de duas vertentes musicais contrastantes: se de um lado vale-se de um cromatismo wagneriano, de outro, utiliza a técnica do desenvolvimento da variação, utilizada por Brahms.

Pois nesta terça ficou demonstrado o porquê dessa composição ser uma raridade entre nós e a razão pela qual Arnold Schoenberg mantém-se como um compositor maldito: mesmo as suas obras tonais, como essa, são extremamente densas, requerem uma concentração e entendimento nem sempre de fácil acesso. Em sua execução, a orquestra manteve a atenção e cuidado já realizado no início do concerto: explorou as dinâmicas, os timbres, as densidades, musical e psicológica, da obra, embora, em alguns momentos mais movidos, tenha demonstrado alguma insegurança.

Na outra extremidade do programa, a OSPA apresentou a Sinfonia Simples, op.4, de Benjamin Britten, cujo centenário de nascimento é comemorado neste ano. Apesar de ser considerado um compositor em dissonância com as vanguardas que se difundiam em sua época, deve, isso sim, ser contextualizado no modernismo eclético. Trata-se do mesmo modernismo que viu surgir a Suíte Antiga, de Alberto Nepomuceno. É uma obra da juventude do compositor, para orquestra de cordas que, pode-se dizer, recebe o rótulo de neobarroco. Daí seus movimentos referirem-se a danças de suítes, como bourrée ou sarabande. Foi uma performance excelente! Ótima dinâmica, ótima articulação. A destacar o segundo movimento, Playful Pizzicato que, como diz o nome, é todo articulado em pizzicato. Ali ficou claro a qualidade do que seria apresentado neste 7º Concerto Oficial.

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Como entremeio, foi executado o Concerto para Violino e Orquestra, em ré menor, de Felix Mendelssohn. Esse, mesmo sendo da juventude de seu compositor, foi tocado por gente grande. O maestro e solista Cláudio Cruz demonstrou, e fez demonstrar, uma expressividade característica dos grandes músicos. E a palavra chave é essa: expressividade, onde a técnica e o virtuosismo são meios de atingir a expressão musical. Mereceu os aplausos e os gritos de bis.

Como extras, ao final da primeira parte, Cláudio Cruz tocou, solo, o Prelúdio nº22, Mocidade Eterna, de Fausino Vale; ao final do concerto, o tango La Muerte del Angel, de Astor Piazzolla.

A nota ruim, mais uma vez, foi uma acústica razoável, acrescida de um ruidoso ar condicionado. Um dia, talvez, tenhamos mais sorte em nossas salas de concerto.

* Músico, musicólogo e professor da UFPel