Em novembro, quando estive em Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela, conversei com muitos imigrantes que sonhavam um dia voltar para a sua pátria. Alguns imaginavam que isso só ocorreria depois que Nicolás Maduro deixasse a presidência do país. Outros acreditavam que a Venezuela seria ajudada, inclusive pela Organização das Nações Unidas (ONU), e com a paz retornariam.

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Entre todos, no entanto, rondava o medo de uma guerra civil. O que seria uma tragédia para os compatriotas que, sendo muitos velhos e doentes, ficaram do outro lado da fronteira. Cheguei a ver olhos vermelhos, vozes embargadas, conversas interrompidas quando a prosa tomava esse rumo.

Nesses três últimos meses a situação da Venezuela só se agravou. Tanto no campo político como socialmente falando. A miséria aumentou, o fluxo migratório continuou e o vaivém de veículos para se abastecer de alimentos permaneceu intenso. Carregavam tudo e todos os dias como podiam: água, pão, arroz, feijão, remédios.

Agora chegam as notícias sobre o anúncio de Maduro em fechar a fronteira com o Brasil. Isso em meio à pressão para que ele permita a entrada de ajuda oferecida pelos EUA e países vizinhos, inclusive o Brasil. Decisão anunciada após o pedido do autoproclamado presidente interino Juan Guaidó.

Para Maduro, a oferta de ajuda divulgada como humanitária significa interferência, manobra, estratégia para forçar a derrubada do governo. Acusa, inclusive, de estarem de olho nas reservas de petróleo.

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O horário do fechamento da fronteira terrestre está previsto para 21h. Até lá, é possível que alguns dos venezuelanos que conversei e que ainda permaneçam nos abrigos de Pacaraima e Boa Vista, em Roraima, estejam com o pensamento voltado para os compatriotas que lá ficaram. Não sei como está o coração de Maduro, de Guidó, de Trump, de Bolsonaro e de outros líderes envolvidos nesta crise.

Como também o de Putin, já que a Rússia enviou remédios e equipamentos para Caracas. Mas sinto que o coração dessa gente que está na fronteira — de lá e de cá — está apertado.

É como me contou um imigrante que entrevistei num abrigo de Boa Vista. Um governo pode tirar tudo de um povo: emprego, comida, liberdade. Mas não tira o país de dentro da gente.