Para quem é brasileiro e branco, deve ser um choque confrontar-se com a realidade que o senso comum escondeu durante muito tempo. A de que somos uma democracia racial plena e que os descendentes dos povos que formaram nossa nação vivem aqui em paz e harmonia. Infelizmente essa não é a realidade; não pode haver harmonia ou paz quando existe desigualdade racial e de gênero institucionalizada, sistêmica, velada e socialmente aceita no nosso país.

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Professora de Joinville fantasiada com blackface gera discussão nas redes sociais

Opinião: “Qualquer pessoa que não esteja cega de ideologia percebe que a atitude da professora é uma brincadeira”

Parece que para muitos brancos existe uma conspiração de “negros rancorosos” para sermos agraciados com “vantagens” sobre outros. Acham que pedimos de graça o que eles supostamente conquistaram com estudo, trabalho e mérito pessoal. Não queremos nada de graça, posso garantir. Queremos apenas o justo. O senso de justiça de que somos munidos vem da falta de políticas inclusivas reais e efetivas das quais nosso País sempre careceu e que só agora são um pouco mais discutidas. Políticas que garantam que nosso mérito pessoal também seja reconhecido, sobre tudo das mulheres negras que mais sofrem com esse sistema, que além de preconceituoso, é machista.

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“Parece que para muitos brancos existe uma conspiração de ‘negros rancorosos’ para sermos agraciados com ‘vantagens’ sobre outros

No país fantástico da democracia racial, é permitido que alguém utilize o recurso do blackface, que é a caracterização de negros por pessoas brancas, sem ser interpelada. Esse recurso foi criado por racistas para ridicularizar as pessoas negras, geralmente representadas de forma hipersexualizada, simplória, vulgar ou socialmente controversa, principalmente nas artes cênicas. O blackface não é inofensivo porquê traz na sua imagem essa carga cruel e opressora. Desqualificar a crítica feita por movimentos negros atentos aos atos racistas, ainda que por falta de informação, como o episódio acontecido no Colégios dos Santos Anjos, de Joinville, com o argumento de que se tratava “apenas de uma brincadeira”, é no mínimo insensível.

Afirmar que as críticas seriam tempestade num copo d?água deixa transparecer que pessoas que nunca refletiram sobre seus privilégios e nunca tiveram empatia com o movimento negro desejam nos ensinar sobre como, quando e porquê nos indignarmos. Muitas situações opressoras são reforçadas por meio de brincadeiras e palavras e devemos sim estar atentos a isso se queremos uma sociedade cada vez mais inclusiva.

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“Este episódio deveria estimular ações educativas para compreensão das reinvidicações dos negros, das mulheres negras”

Também foi argumentado que a professora que usou o blackface, sem conhecimento prévio da escola, segundo afirma, usou sua liberdade de expressão e assim não haveria ofensa. Existe um confuso entendimento de que a liberdade de expressão chancela qualquer discurso e o torna imune a críticas. O que não é verdade. A liberdade de expressão serve também aos ofendidos quando apontam erros. Só não serve, ou não deveria servir, para abrigar ameaças físicas; como alguns fizeram a professora, revelando a outra face da intolerância que é a opressão machista que agride mulheres e que todos nós devemos nos livrar.

Por tudo isso, a reação do Movimento Maria Laura deveria ser considerada proporcional a atitude ofensiva acontecida dentro do colégio. Este episódio deveria estimular ações educativas para compreensão das reinvidicações dos negros, das mulheres negras, como ocorrido em São Paulo, há poucas semanas, quando uma peça teatral do grupo “Os Fofos Encenam” foi cancelada por usar o recurso blackface. No horário, dia e local onde a peça seria encenada foi realizado debate sobre as raízes racistas do recurso e como nossa sociedade trata das questões de inclusão. Que o Colégio dos Santos Anjos se inspire.

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Menina de três anos é vítima de racismo porque estava vestida de princesa