*Artigo por Mariana de Ávila

Elza Soares vivia em um escafandro há alguns anos. Lúcida, engajada, estava presa em um corpo cheio de pinos que mal comportava a língua afiada. Aberta a novas experiências, passou os últimos anos de vida dando voz e vez a quem precisava, abraçando causas. Não titubeou em ser majestade plebeia. Em “A Mulher do Fim do Mundo” e “Planeta Fome”, últimas turnês da carreira, ambas com apresentações em Florianópolis, cantou sentada em um trono. Nos deixa nesta quinta-feira (20), aos 91 anos.

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Elza passou por poucas e boas. Não desistiu. Morreu por causas naturais. Ironicamente, décadas depois, no mesmo dia, que o ex-companheiro Garrincha – um dos responsáveis pelas “poucas e boas”. Perdeu quatro de sete filhos, outro ex-marido, enfrentou a pobreza, a violência. Teve ajuda pra transformar tudo em música. Pra entreter a dor.

Na faixa título de A Mulher do Fim do Mundo, ela clama por “cantar até o fim”. O motivo era simples: “Não tenho o que fazer em casa. Se eu descanso, não tenho sucesso. Daí não tem show. Não tem nada. Tenho que aproveitar”, disse quando a entrevistei para o G1, logo após ser reconhecida internacionalmente. 

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O fim da vida foi de redenção. De shows lotados. De juventude desesperada por autógrafos, por uma bitoca. De gente que não a conhecia até que as bandeiras fossem levantadas: dos LGBTQIA+, das mulheres, dos negros. Os vinis viraram cults. Ela era “The Woman of The End of the Wolrd” com marra e sotaque carioca. Debochava do status, mas curtia muito. 

Em março de 2020, em um Centro de Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) abarrotado, mal sabiamos que aquela seria o prenúncio do fim, ou do começo, de longos dias de pandemia. O coro por dias melhores, por igualdade, por direitos, pela retomada da nossa autonomia, reverberava entre canções de “Planeta Fome”.

Elza Soares não teve uma sobrevida artística. Ela ressurgiu para uma nova geração. E hoje saiu do escafandro para um mergulho na eternidade.

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