Ao abdicar do pontificado e do comando da Igreja Católica, o alemão Joseph Ratzinger, que adotou o nome de Bento XVI, incita a humanidade a uma reflexão sobre o poder, a renúncia e a finitude do ser humano. É, sem dúvida, como definiu o presidente italiano Giorgio Napolitano, um ato de coragem e generosidade praticado por um homem lúcido e sábio, que reconhece sua incapacidade para, aos 85 anos e com saúde debilitada, continuar enfrentando o desafio de administrar a maior organização religiosa do planeta num ambiente de mudanças vertiginosas de costumes e crenças. Bento XVI, que anuncia sua retirada para o próximo dia 28, sai com o rótulo de conservador, mas também com a imagem de um líder pragmático, negociador e consciente de sua missão.
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Ele precisou desta coragem evidenciada pelo presidente italiano desde que foi escolhido para o cargo, em 2005, para substituir o carismático João Paulo II. Poucas pessoas acreditavam que o severo guardião da doutrina pudesse preencher a lacuna deixada por João de Deus no coração dos fiéis. Mas Bento XVI surpreendeu, não apenas mostrando-se afável e comunicativo nos seus contatos com as multidões como também encaminhando, em tempo recorde, o processo de beatificação do antecessor.
Nos quase oito anos em que comandou os católicos, a coragem de Bento XVI foi colocada à prova em várias outras oportunidades, especialmente quando, em 2010, eclodiu o escândalo de abusos sexuais cometidos por integrantes da Igreja. Mesmo tendo emitido um inédito pedido de desculpas às vítimas, ele foi acusado de não ter feito o suficiente para combater os abusos praticados por padres. E também recebeu críticas por defender um ideário conservador, de oposição à eutanásia, ao aborto e ao casamento gay. Chegou mesmo a considerar o segundo casamento (de divorciados) uma chaga social.
Mas manteve o discurso de defesa dos pobres, fez grande esforço para reconquistar grupos separatistas da Igreja, pregou a paz entre as nações e deu considerável impulso ao diálogo inter-religioso, especialmente entre católicos, judeus e muçulmanos. Agora, surpreende o mundo ao confirmar com firmeza e naturalidade a sua renúncia, por se reconhecer inapto física e mentalmente para cumprir sua missão. Retira-se, conforme se autodenfiniu, como “um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor”.
Bento XVI pode ter muitos defeitos, mas não se pode negar coragem e sabedoria para um homem que percebe a sua hora de sair de cena.
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