Todos buscam uma receita para vencer a Copa do Mundo. O ingrediente principal – talento – anda em falta, levando muitos a apostarem suas fichas em revolucionários esquemas táticos. Há os que confiam no grito da torcida, e ainda outros a quem não resta saída que não seja arriscar tudo na roleta dos pênaltis.

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Muitos se atrevem a apontar qual atributo garantiu a Copa do Mundo a A ou B. O mérito da conquista, para alguns, seria dos craques que resolvem partidas ou então de esquemas táticos revolucionários, e há os que resumem o ato da mão na taça a um golpe de sorte ou de azar.

Eu acredito que o futebol é simples e justo.

O futebol é justo porque se faz a partir de uma série de ações, a partir de um conjunto de detalhes. É uma justiça plural. Você tem de ter bons jogadores, entre eles alguns que são mais jogadores que os outros, e vai precisar de um bom plano de jogo. E há que ser um grupo que se adapta entre si, que tem conexões mútuas, que se complementa. Aí você atinge o equilíbrio técnico, essencial para a vitória.

Durante a Copa do Mundo, por suas características de torneio rápido, com poucas chances de recuperação frente a um eventual tropeço, exige-se um time capaz de enfrentar essa dificuldade, que tenha a compreensão rápida, a capacidade de reagir ao imprevisto.

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Há um determinado momento em que você consegue combinar todos os elementos disponíveis, todas as virtudes possíveis e fazer disso realmente uma grande ação coletiva. Foi o que aconteceu com o Uruguai que bateu o Brasil, em pleno Maracanã, na Copa de 50. A Celeste tinha bons jogadores, opa! se tinha, mas não poderia se comparar com aquele Brasil esfuziante de Zizinho e Ademir. No entanto, o futebol mostrou ali que a organização tática, o denodo em relação ao jogo e a humildade para cumprir todas as tarefas, mesmo que as menores, muitas vezes têm a cara do vencedor. A derrota do Brasil não parecia verdade, e, no entanto, ela afirmava a verdade do futebol.

A verdade do futebol também se impôs na final da Copa de 1974, na Alemanha. A Holanda praticou um futebol de sonho, de fantasia, distinguindo-se pelos seus movimentos inusitados, pelas aglomerações rápidas e falsas que lhe davam volume de jogo e movimentação extraordinários. Se a Holanda tivesse sido campeã, seria um ato de justiça. Mas aí, novamente, manifestou-se a verdade do futebol. No jogo em que a Holanda tinha de afirmar sua superioridade, na final contra os donos da casa, ela não jogou. A Alemanha, por seu lado, não entrou no jogo do adversário: marcou o tempo todo sem sair do lugar, não correu atrás das aglomerações sucessivas que os holandeses promoviam e se manteve rigorosamente intacta em um processo defensivo. Subitamente, a Holanda de todos os recursos, de todos os prazeres pessoais que a gente poderia ter, não conseguiu jogar. Injustiça? Absolutamente. Às vezes, o futebol se reduz a apenas um jogo, e nele se realiza a justiça.

Aos que defendem a interferência decisiva do acaso, explico que sorte e competência vivem abraçadas. A sorte é um elemento integrante de toda competição, porque há um elemento que escapa ao controle teórico, técnico ou tático. Um sujeito faz um gol extraordinário, a gente pode dizer “Puxa, nunca mais vai pegar na bola desse jeito”. Mas esta é a herança, técnica, tática e fisiológica daquele jogador. Se, a cada instante, ele tiver uma chance como aquela, só ele e tão somente ele será capaz da façanha de acertar na bola de um modo que as pessoas nunca tinham pensado antes. A sorte ingressa aí como um elemento aleatório, mas só beneficia quem joga.

Nunca esqueço de Aparício Vianna e Silva, jornalista e técnico de futebol, colega e amigo mordaz e bem humorado. Costumava assistir aos jogos com a gente. Quando, alguém – Tum – chutava na trave, exclamávamos: “Bah, que azar!”. Aparício retrucava baixinho e matreiro: “É sorte. Olha que pontaria! Olha que pontaria!”. É sorte ou azar? Isso é a circunstância do futebol. Ele reserva-se para isso. Mas nunca uma Copa foi vencida por alguém que não tivesse a grande habilidade, que não tivesse a grande afirmação, que não tivesse a qualificação.

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O futebol é simples e justo. E a verdade do futebol sempre vence.