O diario.com.br adianta o editorial que os jornais do Grupo RBS publicarão no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados.

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O SIGILO AMEAÇADO

É justificável a apreensão provocada por uma iniciativa administrativa da Agência Nacional de Telecomunicações, que nem seria percebida em situações de normalidade. Sob o argumento de que precisa aperfeiçoar sua atribuição de fiscalizar as operadoras de telefonia, a Anatel pretende monitorar, via internet, as chamadas de telefones fixos e de celulares. Um recurso aparentemente técnico, apresentado como forma de favorecer os usuários, contém todos os componentes para se transformar em mais um caso de invasão de privacidade.

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Com o projeto de monitoramento das chamadas, que ainda depende de aprovação dentro da própria agência, a Anatel pode, na verdade, estar ampliando o poder, muitas vezes exagerado, do setor público sobre atividades que envolvem o direito ao sigilo. Assim, é previsível e razoável que setores da sociedade tenham manifestado estranheza com um plano que, ao invés de favorecer os clientes, põe em risco a inviolabilidade das comunicações privadas, assegurado pela Constituição.

São frágeis as explicações emitidas pela Anatel de que o acesso aos registros será restrito. A agência também enfatizou que conversas ao telefone e mensagens trocadas via internet somente podem ser acessíveis a terceiros sob ordem judicial. Quem confia nessa garantia de segurança? Exemplos históricos e outros mais recentes atentam contra as afirmações categóricas de que o sistema será seguro. Há muito tempo não há segurança nem normalidade na manipulação de bancos de dados que deveriam estar sob a vigilância do setor público.

Se os sistemas de controle de fato funcionassem, muitos órgãos não teriam se transformado em feiras de compra e venda de informações que deveriam ser sigilosas. São recentes os casos de violação de dados da Receita Federal, utilizados com fins políticos. Não são poucos os exemplos em outras áreas, entre as quais o Enem, cujos cadastros do SiSU foram devassados há uma semana. Os fatos se repetem não só na esfera federal. No Rio Grande do Sul, no ano passado um centro de acesso a informações ditas confidenciais foi operado para que seus responsáveis vasculhassem até a vida de familiares de políticos, empresários e cidadãos comuns.

As agências reguladoras têm um papel relevante para que se obtenham ganhos de qualidade nos serviços públicos concedidos. É compreensível, portanto, que a Anatel pretenda aprimorar a fiscalização das operadoras de telefonia, diante do número crescente de reclamações contra tarifas, serviços e outras deficiências de um setor que ainda está longe de se equiparar às boas referências mundiais. Não se pode aceitar que essa melhoria se dê às custas de uma afronta a direitos assegurados pela Constituição. O vazamento de dados praticamente se incorporou à rotina do setor público. Com mais essa iniciativa, a Anatel pode contribuir para que o descontrole se amplie e que todos fiquem ainda mais vulneráveis à ação de mercadores de dados sigilosos.

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