Na manhã de quinta-feira, Roseli Spies, de 42 anos, começava uma maratona que só terminaria na tarde deste domingo. Avisada por volta das 8h que o Rio Uruguai alcançaria a casa onde mora, em um ponto bastante baixo perto do Centro de Itapiranga, Roseli precisou avaliar o que era de mais valor e tirar os pertences às pressas. Às 10h30min ela terminava de tirar os últimos objetos da casa e ajudava os vizinhos a fazer o mesmo; às 12h, a água no interior do imóvel dela ultrapassava um metro e meio de altura.

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A casa de Roseli foi uma das mais atingidas pela cheia do Rio Uruguai, que divide Itapiranga do Rio Grande do Sul. Às 10h, quando a maioria das casas já estava fora da água, a dela permanecia mais de um metro submersa. Mesmo sem perder praticamente nenhum móvel ou eletrodoméstico, o estrago no interior do imóvel foi grande.

– Não faz três meses que botamos forro de PVC, porcelanato no banheiro, pintamos todas as paredes. Não acho que tenha ficado nada disso inteiro – lamenta Roseli.

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Um barracão de madeira atrás da residência, que serve como depósito, foi arrastado cerca de cinco metros para o terreno do vizinho e tombou. Segundo a dona-de-casa, moradores das margens do rio sabiam que haveria enchente desde que a chuva começou a se intensificar no Estado inteiro, mas não imaginavam que a água chegaria tão alto.

A cheia, já considerada a segunda maior registrada na cidade de cerca de 15 mil habitantes, deixou quase 500 pessoas desabrigadas desde a semana passada, fez 81 comerciantes retirarem os produtos dos estabelecimentos e causou todo o tipo de empecilho à população.

– São muitas pessoas que resolveram o problema por conta própria, pediram ajuda de amigos e foram para a casa de vizinhos ou parentes, então não há como calcular com precisão quantos tiveram que deixar suas residências – explica Tiago Sidnei Bieger, coordenador municipal da Defesa Civil, que acredita que sejam mais de 100 as famílias que tenham apelado a conhecidos.

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No pico máximo da enchente, por volta das 20h30min de sábado, o rio chegou a 14,59 metros – o nível considerado comum é de quatro metros. A água escoou tão rápido quanto veio e, às 9h desde domingo, o nível do Rio Uruguai estava em 13 metros. Às 12h30min, já havia baixado mais um metro.

Moradores trabalham na limpeza da cidade

Na manhã deste domingo, quando a água começou a baixar, a charmosa praça de detalhes germânicos nas proximidades da prefeitura de Itapiranga havia se tornado um grande lamaçal. Desde antes das 8h, pelo menos três tratores raspavam o asfalto da Avenida Beira-Rio e tentavam aproveitar a água da enchente e empurrar a lama de volta para o rio.

– Neste momento em que a água fica parada no asfalto, é importante não deixar a lama secar sobre a pista – explica o comandante dos bombeiros de Itapiranga, Carlinhos Mallmann.

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Diversos serviços ainda estão interrompidos. Além da prefeitura, que começou a ser limpa com lava-jato e baldes na manhã deste domingo, os dois postos de saúde e um laboratório de exames estão fechados por conta da enchente. O fornecimento de água também está cortado desde quinta-feira, e deve voltar apenas na terça-feira. O trânsito só começou a se normalizar por volta do meio-dia.

Moradores atingidos também começavam a retornar às casas e avaliar os estragos. Selvino Boni, de 47 anos, foi duplamente prejudicado: além de casa, que ficou 1,5 metro abaixo da água e foi uma das mais danificadas em Itapiranga, o bar que lhe serve de sustento, dois terrenos para frente, deve ficar fora de uso por bastante tempo.

– A água subiu quase um metro por hora, não achei que fosse acontecer tão rápido. As barragens não poderiam ter sido abertas só quando já estavam cheias, pegamos tudo de uma vez só – avalia Boni, conhecido como Nêgo na região.

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Com a ajuda de amigos, Boni amarrou a casa de madeira a árvores para evitar que ela fosse carregada pela água. Funcionou, e o imóvel provavelmente só permaneceu no lugar devido à medida de segurança. Neste domingo, ele avaliava os estragos e começava a se preparar para a limpeza pesada.

– Contra a natureza é que não podemos ir, não é culpa dela. Os seres humanos é que temos que aprender a nos prevenir melhor.

Solidariedade nos piores momentos

Em todas as casas da vizinhança, o que mais se via na manhã deste domingo eram pessoas que não foram atingidas pela enchente ajudando quem foi. Se, no sábado, a maior movimentação era de curiosos, agora o clima em Itapiranga é de limpeza. A chuva deu uma trégua, o que ajudou nos trabalhos.

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Na casa de Rosinei Stein, 47 anos, um mutirão de conhecidos e parentes trabalhavam na retirada do barro. Como teve tempo de tirar tudo antes da cheia, foram poucos os móveis estragados, mas, na manhã de domingo, a piscina nova atrás da residência havia ficado marrom de tanta lama. Além de não ter ideia de como limpá-la, Rosinei desanima quando começa a calcular os prejuízos no imóvel.

– Há marcas de óleo em todas as paredes da minha casa, bem onde chegou o nível do rio. Deve ter vazado gasolina de dois postos de gasolina que ficam a menos de um quilômetro daqui.

Policiais foram deslocados para prevenir saques

Na noite de sábado, o prefeito Milton Simon ligava pessoalmente para os lojistas que aguardavam informações para saber se esvaziavam ou não os estabelecimentos. Com 81 comércios esvaziados ao máximo (nem todos conseguiram esvaziar completamente os estabelecimentos), o medo da polícia era que cenas de saque, como as que se viram na enchente de 2008 em Itajaí, se repetissem em Itapiranga.

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– Assim que foi decidido que os comércios seriam fechados, agilizamos o reforço policial para prevenir os saques – relata o comandante da PM de Itapiranga, André Araújo.

Antes de a água baixar, ainda na noite de sábado, o movimento de viaturas e carros do exército era anormal. Veículos da PM, da Polícia Civil e do Exército circulavam nas áreas mais afetadas com o giroflex ligado, abordavam pessoas que andavam pela região e iluminavam os interiores das lojas para verificar se algo havia sido levado.

– A prevenção nos livrou do pior. Conseguimos sair de uma crise desse tamanho sem nenhuma vítima fatal, sem saques, sem caos e sem grandes prejuízos materiais – comemora Araújo.

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Cheia reaviva temores antigos

Na frente do clube Imigrantes, no Centro de Itapiranga, uma régua marca até onde a água chegou em 1983 – 15 metros. A medição é empírica, pois não há registros oficiais, mas dá uma ideia de como a cidade ficou na época.

– Da outra vez foi muito mais caótico. As pessoas não tinham informações sobre o que estava acontecendo, e nem as autoridades conseguiam medir com precisão o tamanho do problema – relembra Leoni Sulzdacher, moradora de Itapiranga e funcionária da prefeitura desde aquela época.

Ela conta que, na enchente de 1983, muitas casas foram completamente destruídas. Como desde então é proibido construir residências à beira do Rio Uruguai, não há informações de imóveis derrubados pela água em 2014.

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