O futuro do órgão criado para julgar recursos de contribuintes autuados pela Receita Federal está em xeque. Vinculado ao Ministério da Fazenda, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é um dos alvos da Operação Zelotes, que investiga suspeitas de pagamento de propina em troca da redução ou da extinção de grandes dívidas tributárias.

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A investigação a cargo da Polícia Federal (PF) inclui escritórios de advocacia e de consultoria. Entre as empresas, conforme lista obtida pelo jornal Folha de S. Paulo, estão companhias de grande porte como Petrobras, Bradesco e Tim, além de grupos gaúchos como RBS, Gerdau, Marcopolo. Em nota, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) chegou a sugerir a “erradicação” do Carf – onde tramitam atualmente 111,1 mil processos. A estrutura do órgão, segundo o texto, seria “uma porta aberta a ilícitos” por contar com representantes dos contribuintes entre os seus conselheiros. Eles não recebem salário e são, em sua maioria, advogados com atuação privada.

– Temos de rever o papel do Carf. Do jeito que está, não pode continuar – afirma o vice-presidente do Sindifisco, Mário Pinho.

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O formato do conselho (veja o organograma ao lado) também é criticado por um dos responsáveis pela Zelotes, o procurador da República Frederico Paiva, coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção do Distrito Federal.

– Metade dos conselheiros é escolhida pelas confederações nacionais da indústria, do comércio, dos transportes. Que advogado experiente vai aceitar ficar três anos sem remuneração e com uma demanda de trabalho grande? Isso não está funcionando, e tem de ser repensado pela Fazenda – afirma Paiva.

Especialistas rebatem as críticas. Entendem que o Carf é essencial para garantir os direitos dos contribuintes, que conta com membros altamente capacitados e que, se for extinto, os processos acabarão caindo na vala comum do Judiciário – sobrecarregando juízes e se arrastando por anos.

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– Acabar com o Carf seria extremamente prejudicial. Se tem corrupção, tem de punir os responsáveis. O que não pode é jogar o bebê com a água suja do banho – alerta o advogado Cristiano Carvalho, livre-docente em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).

– O Carf exerce e continuará a exercer um papel fundamental no sistema tributário brasileiro. O problema não está no conselho em si, enquanto instituição. Não é o caso de acabar com ele – diz Melina Rocha Lukic, professora e pesquisadora em Direito Tributário da FGV Direito Rio

A opinião é compartilhada pelo vice-presidente do Instituto de Pesquisas Tributárias, Renato Sodero Ungaretti. Ele lembra que apenas 10 conselheiros e ex-conselheiros estão na mira da PF, em um universo de mais de 200 do órgão.

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– É uma minoria. Não podemos generalizar. O problema é que existe uma tendência em alguns setores do Fisco de tornar o Carf inoperante. Estão usando a Operação Zelotes para fazer uma campanha de demonização – ressalta Ungaretti.

Já o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, Mario Pinho, acha que o conselho pode ser repensado:

– Precisamos discutir se o Carf é mesmo uma instância necessária. Se entendermos que é, então será preciso fazer uma reestruturação profunda, porque a situação é muito delicada e preocupante.

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Levy promete aumentar transparência do órgão

Diante das suspeitas envolvendo o Carf, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou, na última semana, medidas para dar maior “transparência” e “consistência” ao órgão. Uma das iniciativas é o sorteio eletrônico para a distribuição dos processos, na tentativa de evitar eventuais direcionamentos. Também está em andamento a reorganização das ações por tema, para que as decisões do Carf sigam uma lógica mais clara.

– A questão da consistência tem caráter preventivo. Decisões vinculantes (decisões administrativas que se tornam obrigatórias) são boas para os contribuintes, porque eles tiram dúvidas. Haver clareza de regras é fundamental – disse Levy.

O ministério também emitiu um comunicado suspendendo as sessões de julgamento de 2015, até a divulgação de novo calendário. Para Renato Ungaretti, que exerceu a função de juiz contribuinte no Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda de São Paulo, a aposta na transparência é positiva. Ele também defende maior rigor na escolha dos conselheiros:

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– A operação não deve servir de pretexto para acabar com o Carf, mas pode servir para que se adotem ações de controle mais efetivo.