A empresa Serrana Engenharia, pivô da Operação Mensageiro, elaborava textos de editais de licitação a serem feitas por prefeituras de Santa Catarina e incluía exigências para dificultar a participação de empresas de médio e pequeno forte, aumentando a chance de vencer as disputas por serviços como coleta de lixo e iluminação pública.
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As informações são detalhadas por funcionários da companhia em depoimentos à Justiça, nos processos sobre o caso. A investigação apura supostos pagamentos de propina em contratos de coleta de lixo e já resultou na prisão de 16 prefeitos de municípios de SC.
As exigências incluídas nos editais são detalhadas nos depoimentos de gerentes e funcionários que atuavam na elaboração de minutas de editais para licitação. Esses textos eram usados como base em algumas prefeituras que precisavam abrir concorrências para a operação de serviços como iluminação pública, coleta, transporte e destinação de lixo.
Quando mantidas na versão final, as cláusulas podiam restringir a participação de empresas concorrentes, em especial de médio e pequeno porte, facilitando o caminho para a Serrana em disputas que poderiam despertar interesse de concorrentes.
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Confira abaixo algumas das táticas usadas pela empresa investigada para dificultar a participação de outras companhias e prejudicar concorrentes nas disputas nos municípios de SC:
Declaração de vínculo com aterro sanitário
Uma das exigências citadas por funcionários da empresa era a proximidade com aterro sanitário ou uma declaração registrada em cartório de vínculo com aterro em que seriam depositados os resíduos coletados no município. Segundo o depoimento, isso dificultaria a participação de pequenas empresas, em especial porque a Serrana seria a responsável por aterros em diferentes regiões de SC.
No site da empresa, a Serrana informa ser responsável por seis aterros em cidades de SC — incluindo Pescaria Brava, Lages e Ibirama, cidades que têm prefeitos presos na operação.
— Isso é um item que limitava muito porque os aterros sanitários geralmente eram da Serrana. Então ali eles ficavam “vendidos”, porque não tinham mais muito para quem pedir essa declaração — contou um gerente da empresa em depoimento.
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Retirada de edital ou pré-cadastro
Um dos diretores da Serrana explica que a primeira ação da empresa costumava ser a inclusão de “gatilhos” no edital, itens que permitiriam saber quais eram as possíveis concorrentes em disputar as licitações.
Uma forma de garantir isso era exigir que as empresas interessadas tivessem que retirar presencialmente o edital antes de se inscreverem, ou então tivessem que fazer um pré-cadastro no site da prefeitura para conseguir baixar o edital pela internet. Além disso, a empresa também tentava incluir um dispositivo de “seguro garantia de proposta”, para mapear ainda mais quais as possíveis empresas interessadas em apresentar ofertas e qual o porte financeiro delas.
Proibição de consórcios
Um dos principais objetivos da Serrana era impedir a participação de microempresas ou empresas de pequeno porte. Por terem uma estrutura mais reduzida e custos menores, o receio era de que elas pudessem apresentar ofertas mais baixas pelos serviços.
Uma das estratégias para evitar a participação de empresas menores era tentar reunir todos os serviços em uma única licitação — coleta, transporte e destinação de lixo, por exemplo. Isso restringiria o alcance, já que não são todas as empresas que podem oferecer todos os serviços. No entanto, para impedir que duas ou mais empresas pequenas pudessem disputar a concorrência em conjunto, uma das medidas que a empresa tentava incluir nas licitações das prefeituras era a proibição de formação de consórcios.
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— Mesmo com um objeto único grande, se permitisse consórcio, várias empresas pequenas poderiam se reunir e participar. Desta maneira, não. Só empresas de porte muito grande — conta um dos funcionários em depoimento à Justiça.
Licenças ambientais
A empresa também tentava pedir licenças ambientais já na fase de habilitação, e não na assinatura de contrato. A intenção seria tentar eliminar já na primeira fase empresas que ainda não tivessem todas as permissões.
Grau de endividamento
A empresa também sugeria um cálculo para permitir um grau máximo de endividamento às concorrentes. Segundo um dos depoimentos, a Serrana seria mais saudável economicamente, e teria vantagem com esse item.
Exigência de call center
Em contratos de iluminação pública, uma exigência que a empresa tentava incluir nos editais sugeridos às prefeituras era a operação com call center, central de atendimento para que a população pudesse reclamar sobre pontos apagados ou que ficassem acesos durante o dia. A exigência de software que permita a emissão de relatório de materiais usados nos pontos de iluminação também é citada em um depoimento.
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Mudanças no preço
Além das exigências que tentavam incluir para a habilitação da empresa, a companhia também modificava cálculos nos preços oferecidos às prefeituras. A medida era necessária para incluir, por exemplo, o gasto com propinas pagas a agentes públicos em municípios de SC.
— Com base na planilha padrão (com os custos reais), fazia modificações sutis, que não chamassem a atenção, mas que dessem a diferença para chegar naquele valor (solicitado pelo dono da empresa). O que era mais fácil eram itens consumíveis do aterro sanitário, manutenção mecânica, a própria depreciação. São itens mais difíceis de comprovar. O próprio consumo do caminhão… — citou um gerente da empresa em depoimento.
Contraponto
A reportagem procurou a defesa da Serrana Engenharia, mas os advogados informaram que a empresa só vai se manifestar nos processos.
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