A Operação Chabu, que resultou no cumprimento de 30 mandados na terça-feira, apura suspeitas de vazamentos de informações sobre, pelo menos, sete outras operações da Polícia Federal (PF). Segundo a investigação, o grupo seria composto por um empresário e servidores da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal. São suspeitos de repassar dados sigilosos de apurações ainda em andamento da PF a integrantes de um núcleo político. Em troca, conforme a PF, haveria a ocupação de cargos públicos. Em negociações com a iniciativa privada, o grupo ainda é suspeito de receber vantagens financeiras, de acordo com a investigação.

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A reportagem teve acesso à decisão do desembargador Leandro Paulsen, do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF4), que embasou os pedidos de prisão temporária. Os documentos apontam o empresário José Augusto Alves como o epicentro da investigação. Segundo a PF, ele receberia informações sigilosas de operações do delegado da PF, Fernando Amaro de Moraes Caieron, e repassaria a políticos.

Apenas Alves permanece detido. Caieron saiu na noite desta quarta à noite. Os outros cinco, incluindo o prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro, foram liberados na terça-feira, após prestarem depoimento.

Conforme a investigação, em duas ocasiões, José Augusto teria se apresentado como representante de uma empresa chamada Suntech a agentes políticos. A primeira delas foi a que deu origem à investigação da Operação Chabu e ocorreu em maio de 2016. Na ocasião, segundo a investigação, dois assessores do então presidente da Assembleia Legislativa (Alesc), Gelson Merisio (sem partido), procuraram a Polícia Federal para denunciar uma dessas abordagens. Conforme eles, José Augusto teria oferecido informações sigilosas de operações policiais em andamento e equipamentos para interceptações telefônicas. Ainda segundo resumo do desembargador, o representante da empresa teria apresentado alvos de operações não deflagradas, incluindo uma fase da Lava-Jato e a Operação Patrola.

Trecho da decisão
LAVA-JATO – Trecho da investigação descreve suposta visita de José Augusto Alves em 2016 ao gabinete de Gelson Merisio, então presidente da Alesc. Na ocasião, o empresário teria apresentado nomes de operações ainda não deflagradas, como a 26a fase da Lava-Jato e a Patrola. Na abordagem também foi mencionada a Operação Blindagem. Outras três operações também são mencionadas no relatório da PF (Foto: Reprodução/Decisão)

Abordagem semelhante José Augusto teria feito nove meses depois, em fevereiro de 2017, desta vez no gabinete do presidente do então presidente da Câmara de Vereadores de Florianópolis, Gui Pereira (MDB). Em depoimento, o vereador teria dito que foram oferecidos telefones criptografados e que o nome dele seria alvo de outra operação relacionada a tráfico de drogas. José Augusto teria ainda mostrado conversas de Whatsapp com o delegado da PF Fernando Caieron, diz a PF.

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Operação Alcatraz esteve entre os primeiros vazamentos

Ainda entre as sete operações com supostos vazamentos citados no despacho do desembargador para embasar as prisões está o que envolve a Alcatraz. O relato é feito em julho de 2017 pela então delegada da PF de Florianópolis, Erika Marena, que também participou da Força Tarefa da Lava-Jato em Curitiba. Segundo o texto incluso na decisão, o delegado da Polícia Civil e ex-secretário de Segurança do Estado, André Luis Mendes Da Silveira, à época cedido à Alesc, teria informado o então presidente da Casa, Silvio Dreveck, segundo a investigação, sobre uma operação da PF que envolveria a empresa Ondrepsb e que “além disso, já teria alcançado o deputado Julio Garcia (PSD), pessoa de grande poder e influência no Estado”, conforme o texto da delegada. Mais tarde, esse servidor da Alesc foi alvo de buscas durante a Operação Eclipse, que começou a investigar os supostos vazamentos de informações de operações.

ALCATRAZ – A decisão menciona relato sobre o vazamento de informações que já faziam parte da Operação Alcatraz para o então presidente da Alesc, Silvio Dreveck (PP), em julho de 2017. Um ano depois, em agosto de 2018, foram cumpridos mandados de busca no gabinete da Alesc em que André Luis trabalhava, como parte da Operação Eclipse, que foi o ponto de partida da Operação Chabu.
ALCATRAZ – A decisão menciona relato sobre o vazamento de informações que já faziam parte da Operação Alcatraz para o então presidente da Alesc, Silvio Dreveck (PP), em julho de 2017. Um ano depois, em agosto de 2018, foram cumpridos mandados de busca no gabinete da Alesc em que André Luis trabalhava, como parte da Operação Eclipse, que foi o ponto de partida da Operação Chabu. (Foto: Reprodução, decisão)

Agente da PRF também repassaria informações

Além do empresário e do delegado da PF, outra figura que, conforme a investigação, atuaria na intermediação de informações sigilosas seria o agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Marcelo Roberto Paiva Winter, que estava cedido para atuar no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Em mensagens telefônicas, segundo a investigação, Winter teria repassado a José Augusto nomes de alvos da Operação Emergência antes de ela ter sido deflagrada.

A Operação Emergência foi um dos três pontos sobre os quais o prefeito Gean Loureiro foi questionado durante o depoimento de mais de três horas que deu na terça-feira, na sede da PF. Ele negou saber qualquer informação sobre a operação.

Além dos vazamentos, José Augusto e Caieron também são citados como suspeitos de comprarem equipamentos contrabandeados e auxiliarem na construção de uma sala segura, à prova de monitoramentos. Segundo o relatório da PF, esse espaço teria sido construído na Prefeitura de Florianópolis, que foi alvo de buscas na terça-feira durante a Operação Chabu. O prefeito Gean Loureiro confirmou que foi questionado sobre esse assunto, mas negou qualquer existência de um espaço desse tipo.

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EMERGÊNCIA e CHABU – Segundo a investigação, José Augusto teria recebido de Winter, que estava no Gaeco, os nomes citados na Operação Emergência antes de ela ser deflagrada. Em seguida, ele teria repassado a informação ao então secretário de Estado da Casa Civil, Luciano Veloso Lima, pedindo uma conversa e usando a expressão que deu nome à operação desta terça-feira: chabu, indicando a existência de problemas.
EMERGÊNCIA e CHABU – Segundo a investigação, José Augusto teria recebido de Winter, que estava no Gaeco, os nomes citados na Operação Emergência antes de ela ser deflagrada. Em seguida, ele teria repassado a informação ao então secretário de Estado da Casa Civil, Luciano Veloso Lima, pedindo uma conversa e usando a expressão que deu nome à operação desta terça-feira: chabu, indicando a existência de problemas. (Foto: Reprodução, decisão)

Gean recebeu pedido para ajudar a manter servidora em cargo

Prefeito esclareceu os pontos em que foi citado na investigação na noite de terça e ao longo da quarta-feira
Prefeito esclareceu os pontos em que foi citado na investigação na noite de terça e ao longo da quarta-feira (Foto: Tiago Ghizoni, Diário Catarinense)

No despacho a que a NSC teve acesso, que determinou a prisão temporária e o afastamento de Gean Loureiro por 30 dias da prefeitura, o desembargador Leandro Paulsen afirma que no período seria possível verificar se “surgem novos elementos comprobatórios da efetiva prática de crimes”. A decisão afirma que “em caso positivo, poder-se-á decidir por um afastamento maior; em caso negativo, poderá ele retomar o exercício da sua função pública após o período de 30 dias”.

O prefeito foi levado para depor pela Polícia Federal e liberado no fim do dia de terça-feira. Agora, tenta reverter o afastamento de 30 dias do cargo de prefeito. Um recurso foi apresentado ao TRF4. Nesta quarta, o desembargador abriu prazo de 72 horas para ouvir a Polícia Federal e o Ministério Público Federal antes de emitir nova decisão, o que, portanto, só deve ocorrer a partir de amanhã. Por enquanto, o vice-prefeito João Batista Nunes (PSDB) comanda a prefeitura.

O mesmo documento traz os motivos que fundamentaram o pedido de prisão temporária do prefeito aceito pelo desembargador. Um dos pontos é uma conversa de Gean Loureiro com José Augusto Alves, apontado pela PF como o epicentro do esquema sob investigação.

Por mensagem de celular, José Augusto pede a intervenção de Gean para manter a esposa de Marcelo Roberto Paiva Winter no cargo que ocupa na Secretaria de Estado de Assistência Social. Winter era o servidor que, segundo a PF, também vazava informação sobre operações para José Augusto.

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Na mensagem ao prefeito, José Augusto diz que a mulher é esposa de alguém de “nosso interesse”, supostamente se referindo a Winter. Quase duas horas depois, Gean responde e envia uma reprodução da conversa com a então secretária da pasta no governo do Estado, Romana Remor. Nela, Gean repassa o pedido que recebeu de José Augusto (veja imagem abaixo). O pedido do prefeito foi atendido e a mulher de Marcelo Winter continuou no cargo.

As imagens acima mostram mensagens interceptadas pela Polícia Federal onde prefeito de Florianópolis conversa com a então secretária do Governo do Estado supostamente pedindo para manter a esposa de Winter, da Gaeco, em cargo na Secretaria de Estado de Assistência Social. As imagens das mensagens constam no inquérito da investigação da Operação Chabu
As imagens acima mostram mensagens interceptadas pela Polícia Federal onde prefeito de Florianópolis conversa com a então secretária do Governo do Estado supostamente pedindo para manter a esposa de Winter, da Gaeco, em cargo na Secretaria de Estado de Assistência Social. As imagens das mensagens constam no inquérito da investigação da Operação Chabu (Foto: Reprodução, decisão)

Prefeito explica intervenção

No depoimento à Polícia Federal, ao qual a NSC também teve acesso, Gean confirma que intercedeu a pedido de José Augusto, que segundo ele, sempre foi um apoiador político nas eleições. Procurado novamente pela reportagem nesta quarta, Gean Loureiro gravou um vídeo em que confirmou que fez o pedido à secretária, como outros que teria feito durante a transição entre o governo de Raimundo Colombo (PSD) e Eduardo Pinho Moreira (MDB) no Estado, mas que o atendeu por ser alguém da área da segurança e que teria qualificações técnicas. Disse ainda não conhecer Winter e a esposa. Negou ter qualquer relação com os dois.

No depoimento, Gean também foi questionado sobre outros três pontos que ele próprio já havia antecipado em entrevista coletiva na terça-feira, após ser liberado pela PF. Um deles é a existência de uma suposta sala segura na prefeitura, que o prefeito nega. Outro é o vazamento de informações sigilosas da Operação Emergência, que Loureiro também afirma desconhecer por completo. O último tema é um possível investimento de um fundo internacional em Florianópolis, sobre o qual o prefeito informou ter participado de uma reunião inicial de apresentação do programa, mas que nenhum projeto foi levado adiante com o fundo.

Segundo a PF, José Augusto Alves receberia informações sigilosas sobre operações do agente da PRF cedido ao Gaeco, Marcelo Winter, e do delegado da PF Fernando Caieron
Segundo a PF, José Augusto Alves receberia informações sigilosas sobre operações do agente da PRF cedido ao Gaeco, Marcelo Winter, e do delegado da PF Fernando Caieron (Foto: Reprodução NSC TV)

Contrapontos

Gelson Merisio (sem partido)

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Não foi localizado pela reportagem.

Gui Pereira (MDB)

Via assessoria, confirmou a conversa com Alves, que teria ocorrido fora do gabinete, e disse que não teve interesse nos equipamentos oferecidos, conforme relatou à Polícia Federal posteriormente, em depoimento.

Julio Garcia (PSD)

Preferiu não comentar a menção dele na investigação.

Luciano Veloso Lima

O advogado Rubens Cabral Faria Junior afirmou que a menção ao cliente faz parte de contatos feitos e que não faz referência a nenhum ilícito penal.

Marcelo Winter

A reportagem tentou contato com a defesa na noite de quarta, mas não obteve retorno.

André Luis Mendes da Silveira

Não foi localizado pela reportagem.

Romana Remor

Em nota oficial, disse que está à disposição para esclarecer qualquer questionamento e, quando Gean pediu a permanência da funcionária, ela já havia definido pela manutenção desta servidora porque a mesma gozava de boa reputação profissional junto à equipe técnica.

Fernando Amaro de Moraes Caieron

O advogado informou que a defesa ainda está se inteirando sobre o inquérito e que irá se manifestar somente nos autos para provar a inocência do cliente.

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José Augusto Alves

Os advogados Rycharde Farah e Rodolfo Macedo do Prado informaram que o depoimento à PF durou cerca de 10 horas e negaram que ele tenha cometido qualquer tipo de ilícito. A defesa disse ter tido acesso aos autos na noite de terça e informou que já formulou pedido de soltura ao TRF4 e, caso seja necessário, pretende apresentar habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Colaboraram para a reportagem: Antonio Neto, Mayara Vieira, Clarissa Battistella e Ricardo Von Dorff

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