No dia 1º de fevereiro de 2019, o deputado estadual Julio Garcia (PSD) subiu à tribuna após a aclamação de uma vitória sem oponentes e fez questão de citar um a um os 39 colegas deputados estaduais que consolidaram um retorno triunfal às urnas após um hiato de dez anos em que foi conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Pela terceira vez, no sexto mandato, o parlamentar do PSD assumia a presidência da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc). No dia 21 de janeiro de 2021, última quinta-feira, às vésperas de completar os dois anos de mandato no comando do Parlamento estadual, Julio Garcia precisou novamente do apoio dos colegas, mas para um momento oposto: alvo principal da Operação Alcatraz, da Polícia Federal, o pessedista contou com o plenário para derrubar a prisão preventiva domiciliar determinada pela juíza federal Janaína Cassol Machado dois dias antes.

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No despacho, a juíza federal afirmou que “os crimes praticados têm relação direta com a sua influência política” e que quaisquer medidas restritivas “seriam inócuas – e até inviáveis – sem o afastamento das funções”.

A decisão pela prisão, que de acordo com a Constituição Estadual depende da aprovação do plenário para ser mantida, veio acompanhada ainda do afastamento da presidência e do próprio mandato de deputado estadual. Na discussão, muitos deputados se manifestaram a favor do parecer do deputado Kennedy Nunes (PSD), favorável pela manutenção do cargo legislativo e pelo fim da prisão de Garcia. O cenário se confirmou na votação, com 30 votos a favor do projeto. Outros três votos foram contrários. Tiveram ainda duas abstenções.

Investigação ganhou força em 2019

A decisão da magistrada fechava um cerco iniciado em 30 de maio de 2019, poucos meses após o retorno triunfal do pessedista à Alesc. Dois endereços de Garcia estavam entre os 41 mandados de busca e apreensão determinados pela primeira fase da Operação Alcatraz, deflagrada com o objetivo de investigar um suposto esquema de fraudes a licitações na Secretaria de Administração entre 2008 e 2018, irrigado pelo desvio de recursos públicos ligados a contratos de prestação de serviços de mão de obra terceirizada e do ramo de tecnologia firmados com órgãos do governo do Estado. Entre os presos pela operação estava Nelson Nappi Junior, secretário-adjunto de Administração durante o período investigado e apontado como indicado de Julio Garcia.

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Desde então, o pessedista convive com a sombra da Alcatraz. Entre setembro e outubro do ano passado, foi alvo de quatro denúncias do Ministério Público Federal (MPF) por lavagem de dinheiro, corrupção, peculato e fraude em licitação. Elas não reduziram o prestígio com os colegas – recebeu, inclusive, manifestações de desagravo em plenário. Santa Catarina vivia o turbilhão político pelo processo de impeachment contra o governador Carlos Moisés (PSL) e a vice Daniela Reinehr (sem partido). Se consumada a queda da dupla, era Garcia quem assumiria provisoriamente o comando do Estado.

A possibilidade deixou de existir com Daniela excluída do processo logo na abertura e a absolvição de Moisés após um mês de afastamento temporário. Depois de meses em campos opostos, Moisés e Garcia se aproximaram e pactuaram o novo momento na relação entre governo e parlamento. O ano terminou com o que parecia ser a pacificação da política catarinense, momentaneamente interrompida pela deflagração da segunda fase da Alcatraz.

Com o mesmo roteiro de contratos de serviços fictícios para irrigar uma suposta rede de propinas, desta vez com foco ampliado também para a Secretaria de Saúde, o presidente da Alesc foi mais uma vez apontado como beneficiário. É acusado de ter recebido mais de R$ 7 milhões de forma indevida entre 2012 e 2017. O argumento de que lavagem de dinheiro é um crime continuado balizou o flagrante que Janaína Cassol Machado argumentou para determinar a prisão.

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Nova prisão determinada

Enquanto os deputados estaduais se reuniam remotamente na quinta-feira, dia 21, para discutir e votar a prisão preventiva domiciliar ocorrida na última terça-feira, dia 19, a magistrada determinou nova prisão de Garcia. Dessa vez, a decisão tinha ligação com a primeira fase da operação.

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Agentes da PF cumpriram o mandado de prisão ao longo da tarde. Garcia segue preso em domicílio, com tornozeleira eletrônica. Até o fechamento da edição, a defesa do parlamentar desconhecia o motivo da prisão.

Outras lideranças políticas do Estado também foram alvos na nova fase da investigação

Embora a prisão preventiva de Julio Garcia (PSD) tenha atraído a maior parte dos holofotes na segunda fase da Operação Alcatraz, chamada de Hemorragia, as novas linhas de investigação da Polícia Federal aponta para a suposta participação de lideranças do MDB catarinense na rede de propina que teria sido instalada a partir da Secretaria de Administração entre 2008 e 2018 – período que abrange os governos de Luiz Henrique da Silveira (MDB), Leonel Pavan (PSDB), Raimundo Colombo (PSD) e Eduardo Pinho Moreira (MDB).

Entre os presos da segunda fase da operação está Milton Martini (MDB), secretário de Administração de janeiro de 2011 a dezembro de 2012 e de janeiro de 2017 a dezembro de 2018. O ex-governador Pinho Moreira foi um dos alvos de busca e apreensão, assim como Válter Gallina (MDB), ex-presidente da Casan e atual secretário de Infraestrutura de Florianópolis. De acordo com a PF, eles avalizaram contratações de empresas investigadas em estatais.

O ex-governador disse que sua “vida pública sempre foi pautada por honestidade, transparência, diálogo e trabalho” e que vai colaborar para “que os fatos sejam esclarecidos”. A defesa de Gallina afirma que ele foi procurado para prestar esclarecimentos “em razão da relevância de cargo ocupado no passado”.

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Ex-MDB, Dalmo Claro de Oliveira (hoje no PSL) também foi alvo de mandado de busca e apreensão. Ele foi secretário de Saúde entre 2011 e 2013, época em que uma das empresas investigadas, a Qualirede, foi contratada para gerir o plano de saúde dos servidores estaduais – o SC Saúde. Esse é o principal contrato investigado na suposta rede de propinas detalhado na segunda fase da Alcatraz, envolvendo as secretarias de Administração e Saúde na época em que eram comandadas por Milton Martini e Dalmo Claro.

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Contrapontos

O QUE DIZ JULIO GARCIA

Em nota assinada pelo advogado Cesar Abreu, o parlamentar se disse surpreso pela decisão judicial e “reafirma a sua total inocência e isenção em quaisquer dos episódios que são tratados na operação Alcatraz e seus desdobramentos”. Salienta que “não há acusação nova” e que as investigações policiais realizadas desde 2017 promoveram uma “devassa legalmente autorizada” em que “não se aponta um único fato real que o coloque, ou as suas digitais, no epicentro de qualquer ato ilegal ou imoral”. A defesa reforça que não existem “pressupostos legais para uma prisão em flagrante ou preventiva, muito menos lugar para a quebra da imunidade parlamentar”.

O QUE DIZ EDUARDO PINHO MOREIRA

Em nota, o ex-governador disse que “como vice-governador e governador no período da investigação, trata-se de um encaminhamento natural. Vamos colaborar para que os fatos sejam esclarecidos. Minha vida pública sempre foi pautada por honestidade, transparência, diálogo e trabalho”.

O QUE DIZ VÁLTER GALLINA

O advogado de Gallina, Francisco Hayashi, diz que “em razão da relevância de cargo ocupado no passado, o engenheiro Válter Gallina foi procurado pela investigação para auxiliá-la com informações. Atendeu às solicitações das autoridades e já retornou às atividades profissionais normalmente, tendo sido informado de que não há denúncia alguma contra ele”.

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O QUE DIZ NELSON NAPPI JUNIOR

A defesa de Nappi Junior disse que está se “inteirando da investigação, mas desde já Nelson Nappi Júnior nega qualquer envolvimento nos ilícitos apurados na Operação Hemorragia”.

O QUE DIZ DALMO CLARO DE OLIVEIRA

Procurado pela reportagem, Dalmo de Oliveira disse que ainda não tive acesso ao despacho judicial e não iria se manifestar.

O QUE DIZ MILTON MARTINI

A reportagem entrou em contato com a defesa de Milton Martini, mas não obteve retorno das tentativas até o fechamento da edição, na última quinta-feira, dia 21.

O QUE DIZ A QUALIREDE

A Qualirede, por nota, afirmou que “foi surpreendida na manhã desta terça-feira (dia 19) com a deflagração de mais uma etapa da Operação Alcatraz. A empresa está levantando detalhes sobre as investigações da Polícia Federal e da Receita Federal e ainda não teve acesso aos autos. Assim que tiver mais informações, se manifestará sobre o assunto. A empresa reforça que está contribuindo com as investigações e tem convicção de que tudo será esclarecido”.

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