Depois de conseguir conquistar a vitória nas urnas, a presidente Dilma Rousseff tem agora outro desafio e tanto pela frente: reconquistar a confiança do setor privado. Com o relacionamento cada vez mais desgastado, governo e empresariado precisarão se acertar para fazer a economia voltar a crescer.

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O primeiro passo para o entendimento já foi dado e veio do governo. Em um movimento considerado surpreendente por especialistas, o Banco Central decidiu aumentar o juro para segurar a inflação. A suposta leniência da presidente com a alta de preços era uma das principais causas de desentendimento no primeiro mandato. O mercado reagiu bem, e a bolsa teve o melhor desempenho semanal desde março.

Esse é o primeiro dos ajustes a serem realizados, indicam empresários e analistas. Dilma já mostrou disposição em dialogar em pelo menos três ocasiões: no discurso da vitória e em duas entrevistas à TV.

Alguns dos pontos de conflito parecem longe de solução. Caminhos apontados pelo governo para o segundo mandato são conflitantes com vários anseios do setor privado, como a redução de impostos. Certo é que, para estabelecer uma relação mais saudável com investidores, o governo vai precisar realizar mudanças profundas para a economia deslanchar.

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Os nós que Dilma terá de desatar

Crescimento econômico

Como foi no primeiro mandato

Se a economia crescer 0,27% em 2014, como projetam analistas, o primeiro mandato de Dilma terá o menor ritmo de crescimento médio (confira ao lado) desde o governo Collor. Nos quatro primeiros anos da presidente, o avanço médio ficou em 1,6%. É menos da metade da gestão Lula (4%), e inferior ao de FH (2,3%).

O que o espera o setor privado

Analistas afirmam que o potencial de crescimento do PIB brasileiro sem causar inflação elevada é de 3% a 4% ao ano. Um dos caminhos seria a redução de impostos para todos os setores e estímulos à produção.

O que a presidente sinaliza até agora

A presidente afirma que o baixo crescimento é fruto da crise mundial, mas que políticas adotadas até o momento permitiram manter o mercado interno aquecido. Apoia ajustes cambiais e fiscais, mas não especifica como serão realizados. Também argumenta que o PIB voltou a crescer no segundo semestre.

Alta dos preços

Como foi no primeiro mandato

Índice oficial da inflação, o IPCA ficou acima do centro da meta (4,5%) nos quatro primeiros anos de Dilma. A média do primeiro mandato, se confirmada a projeção de analistas para 2014, será de 6,2%. Na era Lula (2003 a 2010), quando o país crescia em ritmo acelerado, os preços subiram 5,8% ao ano.

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O que espera o setor privado

Considera a inflação, em torno de 6,5%, muito alta e aponta a necessidade de ajustes fiscais e monetários para trazer o índice de volta ao centro da meta (4,5%). Apoia a correção de preços administrados, como energia e combustíveis, e maior autonomia do BC, que com menos interferência aumentaria o juro quando necessário.

O que a presidente sinaliza até agora

Não reconhece que a inflação esteja elevada, apesar de a taxa calculada em 12 meses estar em 6,75%, fora do teto da meta. Atribui os índices elevados a choques de ofertas provocados pela seca. Preocupada em manter o desemprego baixo, Dilma é contrária ao aumento do juro – remédio amargo para o controle de preços.

Setor produtivo

Como foi no primeiro mandato

Para estimular o setor, o governo adotou diversas medidas de incentivo. Além de reduzir impostos, o Ministério da Fazenda prorrogou o Programa de Sustentação do Investimento, que tem linhas de crédito subsidiadas para bens de capital e projetos de inovação.

O que espera o setor privado

Defende a redução de tributos para todos os setores da economia a fim de evitar que apenas alguns segmentos sejam privilegiados, causando descompassos. Pede uma ampla reforma tributária, com simplificação e redução de impostos e câmbio mais competitivo.

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O que a presidente sinaliza até agora

Avalia que a crise da indústria é reflexo da crise mundial. Deve manter as políticas de conteúdo local e de desoneração da folha. Indica adoção de medidas pontuais como o Reintegra, que devolve tributos aos exportadores. O Ministério da Fazenda sinalizou que pode permitir um dólar mais forte para favorecer exportações.

Desenvolvimento da infraestrutura

Como foi no primeiro mandato

Dilma apostou em linhas de crédito subsidiadas e empréstimos com prazos mais longos para estimular o investimento. O corte de juro e a concessão de rodovias e aeroportos também deveriam ajudar. Apesar disso, a taxa de investimento ficou longe dos 25% do PIB almejados pela presidente.

O espera o setor privado

Maior estabilidade regulatória, que permita empresários projetarem investimentos de longo prazo, e mais garantias quanto à rentabilidade dos projetos concedidos à iniciativa privada pelo governo.

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O que a presidente sinaliza até agora

Argumenta que as concessões já feitas em rodovias e aeroportos estão trazendo retorno, e os investimentos previstos começarão a aparecer em 2015. Defende a manutenção do modelo de concessões adotado e indica que estão vindo aí as primeiras concessões em ferrovias.

Caixa do governo

Como foi no primeiro mandato

Nos primeiros três anos de governo, Dilma aproveitou o alívio no caixa do Tesouro proporcionado pela queda no juro para afrouxar o controle de despesas. Mas o juro voltou a subir, aumentando os desembolsos. Para não ser obrigada a cortar gastos, a Fazenda optou por reduzir as metas do superávit primário.

O que espera o setor privado

Diminuição dos gastos do governo – que considera excessivos – e maior compromisso do Ministério da Fazenda com o cumprimento do superávit primário. Deseja mais transparência nas contas do Tesouro e o fim da “contabilidade criativa” – manobras fiscais para inflar receitas e diminuir despesas.

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O que a presidente sinaliza até agora

A equipe econômica defende a necessidade do atual número de ministérios (39) e não admite que exista qualquer tipo de mascaramento dos dados fiscais. Como o pior da crise já passou, afirma que agora a política fiscal do governo pode ser menos expansionista e projeta superávit primário entre 2% e 2,5% em 2015.

Fontes: Heitor Müller, presidente da Fiergs, Luiz Carlos Bohn, presidente da Fecomércio, Igor Morais, analista da Vokin Investimentos, Flávio Clemente, analista da Venture, Sidnei Nehme, diretor da NGO Corretora de Câmbio, e João Ricardo Costa Filho, economista da Pezco Mycroanalysis