A primeira oficial travesti da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) está sendo processada e será investigada pela corporação por supostas condutas consideradas inadequadas. Na segunda-feira (24), o governador Jorginho Mello determinou a constituição de um conselho de militares que vão avaliar a servidora e sua “capacidade moral e profissional”, conforme a publicação no Diário Oficial do Estado (DOE). A major Lumen Müller Lohn desconhece a justificativa para a abertura do procedimento e afirma que tem a percepção de ser uma medida discriminatória.

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O processo administrativo para avaliar a permanência ou exclusão da oficial foi aberto em dezembro de 2022, ainda na gestão anterior, para a instauração de um conselho de justificação. Três tenentes-coronéis homens devem “avaliar a capacidade moral e profissional e a convivência” da militar, segundo o ato nº 1401/2023 do governo do Estado. O resultado da apuração pode resultar no arquivamento do processo, na aposentaria compulsória ou expulsão da instituição.

A major está na corporação desde 1998 e passou pela transição de gênero no ano passado. Ela afirma que, pelos autos do procedimento, o processo é genérico e não aponta nenhuma conduta ou situação objetiva que justifique a medida. A transição e o fato de Lohn ser travesti não são citados, segundo ela. Porém, ela afirma que passou por situações em que sentiu que há distinção na forma como é tratada.

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— As coisas começaram em maio do ano passado, quando eu concorri para uma promoção e não fui avaliada. Nessa época, eu ainda não estava em transição. Em novembro, quando eu já estava, concorri pela terceira vez e não fui avaliada de novo. Foi aí que foi solicitada a instauração do conselho e o processo administrativo — diz a major.

Apesar de a questão de gênero não estar explícita no processo, a oficial acredita que isso tenha relação com a medida, já que percebe uma resistência à receptividade de pessoas travesti na corporação.

— Há uma tendência de me verem como alguém que não deveria estar aqui. Grande parte do problema é as pessoas acharem que o mundo é como elas enxergam, quando não é assim. Eu não consigo nem explicar como eu me sinto melhor hoje [após a transição]. A minha qualidade de vida melhorou, mesmo segurando essa barra. Se alguém pudesse imaginar como é melhor ser a gente mesmo… Eu sou eu, tenho as mesmas competências, as mesmas habilidades de antes. Eu não mudei, só troquei o uniforme — relata Lohn.

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Atualmente a major é chefe da Secretaria e Divisão Administrativa na Diretoria de Saúde e Promoção Social (DSPS), em Florianópolis, e estava trabalhando normalmente nesta quinta-feira (27). Ela ainda não foi intimada formalmente do andamento do processo. Por isso, ainda não sabe se será afastada enquanto o procedimento estiver em andamento.

— O que eu queria era viver minha vida e completar meu tempo de trabalho como qualquer pessoa. Não era para gerar toda essa comoção, era algo que deveria ser corriqueiro. Eu só quero que acabe de uma vez — afirma a oficial.

O que diz a PMSC e o governo do Estado

Questionados sobre a natureza e motivação para o processo aberto contra Lohn, a PMSC e o governo do Estado afirmaram que o procedimento “originou-se na administração anterior, em virtude de relatos de condutas profissionais consideradas inadequadas, e que serão apuradas no decorrer do processo”. Ainda afirmou que o processo tramita em sigilo e que o prazo para conclusão é de 30 dias.

A PMSC afirmou ainda que a comunicação sobre a transição de gênero de Lohn aconteceu apenas em 23 de janeiro de 2023, depois da abertura do conselho de justificação. “Ressalta-se que a avaliação limita-se ao previsto na forma da lei. À Major Lumen, justificante do conselho, é assegurada ampla defesa, tendo ela, após o interrogatório, prazo de cinco dias para oferecer suas razões por escrito, devendo o Conselho de Justificação fornecer-lhe o libelo acusatório onde se contenham com minúcias, o relato dos fatos e a descrição dos atos que lhe são imputados. Ela deve estar presente a todas as sessões do Conselho de Justificação, exceto à sessão secreta de elaboração do relatório”, disse a comunicação da corporação em nota.

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