Ao abrir as torneiras, a única coisa que saia era o ar. Foi assim durante uma semana na casa de Ana Paula Batista, 27 anos. Moradora de Chapecó, ela é uma das inúmeras pessoas tem enfrentado dificuldades de abastecimento no Oeste de Santa Catarina. Um problema ligado à falta de chuva e à estiagem que, desde 2019, atinge o Estado e se acentuou nos últimos meses.

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De acordo com dados do Boletim Hidrometeorológico, divulgado em 18 de fevereiro pela Secretaria Executiva do Meio Ambiente (Sema), vinculada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável (SDE) e a Defesa Civil, ao menos 33 municípios estão em condição de seca extrema, sendo que 32 estão no Oeste. Além disso, outros 158 foram classificados em seca severa, terceiro pior indicador – os números representam 64,74% do território catarinense.

A situação é avaliada por meio do Índice Integrado de Seca (IIS), que leva em conta tanto as condições dos rios quanto a água disponível no solo e o efeito da falta de chuva na vegetação. 

Isso tem trazido prejuízos a diferentes setores da economia, principalmente na agricultura, enquanto moradores buscam alternativas para contornar a falta de água, ainda mais em um cenário que não é promissor. Especialistas enfatizam que a situação pode se agravar e, consequentemente, se estender para outras regiões do Estado nos próximos meses.

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Família viaja 60 km para tomar banho no Oeste

Durante uma semana, Ana Paula Batista viu as torneiras da casa onde mora com a família, no bairro Universitário, em Chapecó, vazias enquanto a louça na pia se acumulava. Nem para puxar a descarga no banheiro havia água. Para cozinhar, a única maneira foi comprar galões de água. Já para tomar banho, a alternativa era viajar diariamente 60 quilômetros até a casa da mãe.

— Para tomar banho preciso ir até Pinhalzinho, onde a minha mãe mora, que fica a 60 quilômetros daqui todos os dias. Depois, ainda preciso voltar para casa, pois meu marido precisa trabalhar — conta.

A auxiliar de cobrança vive na cidade desde dezembro. Apesar de já ter lidado com o racionamento de água em Curitiba, capital do Paraná, onde morava antes, ela conta que uma situação como essa nunca tinha presenciado.

— Entendo que realmente não está chovendo e que isso prejudica muito. Mas tantos dias sem água, é um descaso — diz Ana, que voltou a ver a água sair das torneiras nos últimos dias.

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Também em Chapecó, outra família busca no improviso contornar o problema da falta de água por conta da estiagem. Rafaela Rodrigues, 26 anos, precisa diariamente comprar vários galões de água que são usados para tarefas básicas de higiene, como tomar banho ou lavar a louça. Já para comer, a única opção é recorrer a marmita.

— Não tem nem água para fazer almoço, precisa comprar marmita. Temos que nos virar, com criança em casa, eu gestante. Até tem como ficar sem luz, mas sem água não dá. É uma situação desumana — desabafa a jovem, que está grávida de nove meses.

Para cozinhar, Ana Paula Batista recorre à compra de galões de água
Para cozinhar, Ana Paula Batista recorre à compra de galões de água (Foto: Sirli Freitas, Especial)

Estiagem pode ter ligação com mudanças climáticas

De acordo com meteorologistas, um dos principais fatores para a falta de chuva na região é o La Ninã, uma condição que, apesar de trazer eventos extremos como o alto volume de chuva em pouco tempo, também reduz a precipitação em outros pontos.

— Dependendo quanto tempo dura (La Ninã), atinge mais ou menos um local. Normalmente ela inibe a formação de nuvens e causa bloqueios atmosféricos no Oceano Pacífico, que resultam no posicionamento de ar seco sobre o Sul do Brasil. Como o Oeste está distante do Litoral catarinense, acaba resultando em uma escassez grande de chuva. Por outro lado, ela acaba compensando em outros lugares. Ou seja, falta muito em um lugar, enquanto em outro há muita chuva — explica o meteorologista da Epagri/Ciram, Marcelo Martins.

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Além disso, a estiagem também pode ter ligação com as mudanças climáticas no planeta, assim como outros eventos extremos.

— A estiagem faz parte do que é esperado nas mudanças climáticas. São esperados tanto excessos quanto a falta de chuva, extremos que se esperam dentro do cenário. Acredito que a estiagem que vimos cada vez mais impactante já está associada à essa mudança — diz Gilsânia Cruz, que também atua na área de meteorologia da Epagri.

Desabastecimento é reflexo dos últimos meses

O atual período de estiagem em Santa Catarina é considerado histórico, conforme os especialistas. O hidrólogo da Epagri/Ciram, Guilherme Xavier Miranda Júnior, explica que a seca no Estado ocorre desde 2019, apesar de ciclos em que houve registro de chuvas acima da média.

— Desde 2019 estamos vivenciando meses com menos chuva e períodos com precipitações acima da média. Em 2020, tivemos um período maior de estiagem, se comparado com 2019 e 2021. Mas a repercussão atual é por conta do mês de dezembro, que teve pouca chuva, e agora fevereiro onde no Extremo Oeste e Oeste não choveu praticamente nada — pontua Miranda Júnior.

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Reservatório de água do Lajeado São José, em Chapecó, está praticamente seco
Reservatório de água do Lajeado São José, em Chapecó, está praticamente seco (Foto: Sirli Freitas, Especial)

Isso ficou ainda mais evidente na última edição do Boletim Hidrometeorológico Integrado. O levantamento mostrou que todas as regiões de Santa Catarina tiveram chuvas abaixo da média histórica na primeira metade de fevereiro. De acordo com o documento, nos primeiros 16 dias de fevereiro, os volumes acumulados variaram entre 20 e 60 milímetros. Já na parte Oeste, o acumulado oscilou entre 40 e 80 milímetros. Apesar disso, Miranda Júnior salienta que a chuva atual não é suficiente para mitigar os efeitos da estiagem.

— A chuva que está ocorrendo é mal distribuída e com alta intensidade. Isso provoca um escoamento superficial, ou seja, não há infiltração no solo. Passado o período sem chuva, essa água evapora e o solo volta a ser seco — explica o especialista.

Santa Catarina também possui outro problema que impacta diretamente no abastecimento de água das famílias. Isto porque a maior parte do Estado faz a captação de água por meio dos rios. Sendo assim, de acordo com o hidrólogo, sem chuva, esses reservatórios secam, o que, consequentemente, impacta na distribuição ao consumidor.

Ainda de acordo com o Boletim Hidrometeorológico Integrado, o abastecimento urbano na maioria dos municípios catarinenses deve continuar em situação de monitoramento a longo prazo. Ao menos 18 cidades estão em estado crítico, sendo que em ao menos sete há rodízio ou racionamento de água: Anchieta, Descanso, Maravilha, Nova Erechim, Saltinho, São Miguel da Boa Vista e União do Oeste — todas na região Oeste.

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Em Chapecó, caminhões-pipa atuam para a distribuição de água tratada na cidade e outros buscam água bruta do Rio Uruguai para abastecer um reservatório no bairro Engenho Braun
Em Chapecó, caminhões-pipa atuam para a distribuição de água tratada na cidade e outros buscam água bruta do Rio Uruguai para abastecer um reservatório no bairro Engenho Braun (Foto: Sirlei Freitas, Especial)

Em Chapecó, de acordo com a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) não há prazo de quando a situação da falta da água deve ser normalizada. Em 17 de fevereiro, após a cidade decretar situação de emergência, a companhia assinou um termo de compromisso com a prefeitura para que uma série de ações sejam feitas para auxiliar a população durante o período de desabastecimento.

Ao menos 10 caminhões-pipa atuam para a distribuição de água tratada na cidade e 20 para trazer água bruta do Rio Uruguai. Também serão perfurados quatro novos poços artesianos, sendo dois nos bairros São Antônio e Efapi. Outra alternativa tem sido o rodízio de água em ao menos 26 bairros, algo que está planejado para acontecer até o fim de fevereiro.

> Estiagem provoca perdas bilionárias em SC

Ainda de acordo com a companhia, um estudo de solo no local também é feito para a montagem de uma estação de tratamento compacta, que deve gerar 100 mil litros por hora. A obra está prevista para iniciar nos próximos dias.

— Estamos todos envolvidos no planejamento hídrico do Estado, que começou a ser feito em 2019 e envolve cerca de R$ 1,8 bilhão em investimentos. São obras estruturantes a médio e longo prazo. Neste momento, estamos executando ações emergenciais para atender a população e precisamos também que todos façam uso consciente da água para que possamos minimizar os impactos da estiagem na vida de todos — pontua a presidente da Casan, Roberta Maas dos Anjos.

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Máquinas atuam em uma das obras da Casan, retirando lada de um reservatório que está totalmente seco, enquanto caminhões captam água para abastecer o local, que está totalmente seco
Máquinas atuam em uma das obras da Casan, retirando lada de um reservatório que está totalmente seco, enquanto caminhões captam água para abastecer o local, que está totalmente seco (Foto: Sirlei Freitas, Especial)

Agricultura acumula prejuízo de mais de R$ 3 bilhões

Além do desabastecimento de água no perímetro urbano das cidades, a estiagem em Santa Catarina também trouxe impactos severos à agricultura. De acordo com a Epagri/Ciram, desde o ano passado até 14 de fevereiro deste ano, o setor já teve um prejuízo de R$ 3,7 bilhões em função da seca. Se comparar com o início de fevereiro, por exemplo, em uma semana o valor mais do que dobrou. Em 7 de fevereiro, era contabilizado R$ 1,5 bilhão em perdas.

Só em relação à soja, 21,6% da safra já está comprometida. Na produção de milho, o cenário é pior: 34,5% foi prejudicada com a estiagem em Santa Catarina, algo que também impacta, de forma indireta, na produção de carnes no Estado.

— O aumento no preço da produção vai impactar no custo para os produtores e, por consequência, acaba mais cedo ou mais tarde chegando ao consumidor — explica o analista de Socioeconomia e Desenvolvimento Rural da Epagri/Cepa, Alexandre Giehl.

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Estiagem pode agravar nos próximos meses, alertam especialistas

De acordo com o último levantamento da Defesa Civil Estadual, publicado em 22 de fevereiro, 125 cidades já decretaram situação de emergência devido à estiagem. O número representa 42,37% do total dos municípios catarinenses, sendo que sua maioria está na região Oeste.

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Porém, caso a falta de chuva persista nos próximos meses, outras regiões do Estado também podem enfrentar problemas.

— No Planalto Norte e no Planalto Sul, por exemplo, a chuva também ficou aquém do necessário. Devido aos solos de Bom Jardim da Serra, São Joaquim e Urupema, por exemplo, serem rasos e pouco profundos, eles têm pouca capacidade de captar e armazenar água. Ou seja, é uma situação [a estiagem] que pode, sim, afetar outras regiões do Estado — diz o hidrólogo Guilherme Xavier Miranda Júnior.

Outro ponto que também pode tornar a estiagem mais severa em Santa Catarina nos próximos meses é a falta de perspectiva de chuvas. De acordo com o Boletim Hidrometeorológico Integrado, a previsão para o trimestre entre fevereiro e abril deste ano é de que a chuva fique abaixo da média no Estado, principalmente no Oeste.

— É uma situação crítica, as pessoas estão desesperadas. Os meses que mais chovem são de primavera e verão, porém, tanto nas duas estações, choveu muito pouco. Já outono e inverno, as precipitações são menores, então, não vai reagir tão cedo da situação que está agora. Precisa chover exageradamente para ter uma situação boa — enfatiza o meteorologista Marcelo Martins.

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