A observação de pássaros requer atenção e paciência. Geralmente, começa nas primeiras horas da manhã, perto de árvores em uma área de mata. Os observadores usam comida ou sons para atrair os animais, e depois aguardam a aproximação deles, com binóculos e câmeras fotográficas a postos. O exercício dura horas, mas compensa: cada vez mais, o avistamento dos animais vem ganhando adeptos em Santa Catarina.

Continua depois da publicidade

Receba notícias de Santa Catarina pelo WhatsApp

A observação de aves é comum em outros países, principalmente nos Estados Unidos, e vem crescendo ano a ano no Brasil, com a criação de grupos, clubes e eventos de avistamento. Nos últimos 12 anos, o número de observadores no país quintuplicou: foi de 10 mil em 2012 para quase 50 mil em 2024, segundo os registros na plataforma WikiAves.

Bugio-ruivo é reintroduzido na Ilha de SC após 260 anos de extinção

Chamada no Brasil de “passarinhada”, a atividade tem vários benefícios. Além de promover o encontro entre entusiastas de aves, ajuda a reduzir o estresse, promove a conexão com a natureza e contribui para a conservação das espécies. E qualquer pessoa pode participar. Não é necessário ser especialista nem possuir equipamentos.

Continua depois da publicidade

Em Santa Catarina, são 3,2 mil observadores registrados, o quinto maior número do país, depois de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O Estado vem se destacando: em maio, ficou em terceiro lugar entre as unidades da federação na quantidade de espécies avistadas durante o Global Big Day, evento que ocorreu simultaneamente em vários países.

— Temos 701 espécies registradas no Estado. No Brasil, temos 1.971, de acordo com o Comitê Brasileiro de Registros Ornitologicos. Isso faz com que Santa Catarina tenha 35,5% das espécies do país. É uma boa representatividade — afirma Guilherme Brito, professor no Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

De acordo com o pesquisador, o aumento do interesse por pássaros tem a ver com a profusão de literatura especializada, sites e plataformas voltadas à observação, como o WikiAves e eBird. Nas redes sociais, há um mundo à parte dedicado a aves, que favorece a conexão e a troca de experiências entre observadores.

— Nos últimos anos houve uma explosão de interessados em observar pássaros e em Santa Catarina não é diferente. A atividade vem se tornando cada vez mais popular — resume o professor.

Continua depois da publicidade

Um mundo à parte

O instrutor de treinamento Guilherme Thielen, de 33 anos, descobriu o mundo dos pássaros durante a pandemia. Ele começou a registrar aves que apareciam no quintal da casa dele no bairro Monte Verde, em Florianópolis, usando uma câmera de segunda mão. A paixão logo evoluiu. Hoje, ele atua como guia de avistamentos.

— Eu tinha um bebedouro lá em casa, e vi um passarinho azul turquesa muito bonito, que era o Saí Azul. E aí eu tirei uma foto dele e fiquei assim: “nossa, nunca tinha visto esse passarinho por aqui, o que tem mais aqui em volta do bairro?”. Aí andei e vi que tinham mais ou menos 50 espécies. E assim comecei a passarinhar — conta.

Na internet, ele encontrou uma comunidade engajada. Criou o canal no YouTube O Cidadão Cientista, e começou a compartilhar seus achados no Instagram. Paralelamente, fez cada vez mais saídas em busca de aves. Do bairro, Guilherme passou a observar aves na cidade e depois no Estado.

— Até o momento, já avistei 506 aves. Somente em Santa Catarina, são 469 — diz ele, que criou recentemente o Clube de Observação de Aves (COA) Meiembipe, em Florianópolis, junto com Fernando Farias, também guia de observação.

Continua depois da publicidade

Passarinhando

Para quem quer iniciar na observação de pássaros, uma dica é participar de encontros guiados de avistamento. O Vem Passarinhar, por exemplo, é gratuito e ocorre mensalmente em Florianópolis e no Parque Nacional das Araucárias, no Oeste de Santa Catarina. O projeto é organizado pelo grupo Silvestres SC, do Instituto Fauna Brasil, e reúne um público variado, que vai de crianças a idosos.

— É uma galera bem engajada, pessoas que gostam desse meio e estão ali pelo mesmo objetivo. É o registro, o contato, a diversão também, mas de uma forma muito íntima com a natureza. A gente escuta mais do que observa — diz Edna Hawerroth, responsável pela organização do Vem Passarinhar Floripa.

O Vem Passarinhar foi criado em agosto de 2023 e vem reunindo cada vez mais pessoas. Em média, participam 30 observadores a cada encontro. Não é necessário nenhum equipamento, mas o instituto recomenda que as pessoas levem câmera ou binóculo, repelente, protetor solar e capa de chuva, além de água e lanche.

Continua depois da publicidade

— Observar a fauna na natureza promove não só o bem-estar físico, mas principalmente o mental. Inúmeros estudos comprovam os benefícios de estar em meio à natureza, de se conectar e entender parte deste ambiente. As pessoas também fazem novas amizades e conexões com outras pessoas. — menciona Vanessa Kanaan, diretora do Silvestres SC e presidente do Instituto Fauna Brasil.

Um dos intuitos da atividade é promover a ciência cidadã — que significa a participação ativa da população em processos científicos. As listas de avistamentos enviadas pelos observadores, por exemplo, auxiliam estudos sobre distribuição geográfica das espécies e migração. Também contribuem com dados para a preservação e conservação de aves.

— Além de você estar ali conhecendo as aves à sua volta, você acaba preservando elas, conhecendo e educando. O que me motiva é fazer as pessoas conhecerem a diversidade de aves ao nosso redor — ilustra Edna.

Conheça algumas espécies de SC

Continua depois da publicidade

Diversidade de aves

Santa Catarina é um estado privilegiado para a observação de aves. A diversidade inclui espécies marinhas e costeiras, de Mata Atlântica, de campos de altitude e de áreas alagáveis.

— Muitas espécies são dependentes de habitats específicos, então a diversidade num local é proporcional à variedade de ambientes. Santa Catarina é um estado com elementos interessantes nesse sentido — diz Guilherme Brito, professor da UFSC.

Entre as espécies mais emblemáticas de Santa Catarina estão a Maria-catarinense, que vive entre as florestas do Sul do Paraná ao Norte catarinense. Outra é o Papagaio-charão, cujas revoadas reúnem cerca de 20 mil indivíduos na Serra, em busca de pinhão, seu principal alimento. Outro famoso é o Aracuã-escamoso, conhecido como “despertador de manezinhos”.

— O Aracuã-escamoso ocorre no Sul do Brasil, em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e parte do Paraná, mas aqui em Floripa temos a grande oportunidade de ver esse bicho em parques urbanos com bastante facilidade. Aposto que muito manezinho já acordou com o som deles ou ouviu nos finais de tarde — diverte-se o guia Guilherme Thielen.

Continua depois da publicidade

Os locais de observação mais conhecidos no Estado incluem Joinville, perto do Rio do Júlio e em manguezais ricos em espécies como o Guará, e Florianópolis, onde é fácil avistar o Aracuã. Também é possível visitar unidades de conservação administradas pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA), como o das Araucárias, Acaraí, Fritz Plaumann, Rio Canoas, da Serra do Tabuleiro e da Serra Furada.

— Dependendo do que se quer observar, há locais específicos, como a Serra Catarinense para aves de campo de altitude, ou os mangues de Joinville para aves aquáticas — destaca Thielen.

Leia também

Bugio-ruivo é reintroduzido na Ilha de SC após 260 anos de extinção

Pesca e cultura: a vida nas águas da Baía Norte, contada por um pescador de Florianópolis

Como a caça às baleias mudou SC e quase levou espécie à extinção