Na primeira passada de olhos, tem cara de canteiro de obras: uma pilha de bloquetes de concreto, um carrinho de mão e uma casa pré-fabricada para abrigar o material de trabalho e guardar o sono do operário.
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São quase 6 mil peças, de dois quilos e meio cada, a serem transportadas, entre a Praça da Alfândega e a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), em 20 carregamentos diários ao longo de três semanas. Trata-se, sim, de uma obra, mas de arte.
O artista plástico Túlio Pinto, 37 anos, concebeu Transposição para testar como diferentes ambientes e interferências poderiam moldar seu trabalho. Da praça para a Galeria Augusto Meyer, na CCMQ, num trajeto de cerca de 300 metros, as peças de concreto, justapostas, passarão a cobrir o piso da sala. Terminado o transporte, a casinha será desmontada e também realocada no espaço de exposições. O ciclo se completará com a doação de todo o material a uma ONG.
– O objeto vai ser impregnado por uma experiência, vai levar uma memória silenciosa consigo – diz Túlio.
Instalado na praça desde quinta-feira, o artista está preparado para pernoitar no local, misturando-se com os tapumes e as escavações da revitalização do Projeto Monumenta por 20 dias. Tem à disposição colchão, liquinho para aquecer a água do café e do chimarrão e cobertor. Dois seguranças estarão de prontidão no turno da noite, e todos estão autorizados a utilizar os banheiros do Santander Cultural de madrugada. O banho será em casa, no Bom Fim.
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– Viver no campo das ideias não é suficiente. A arte contemporânea é super para dentro, as pessoas não têm muito acesso. Esse trabalho pode aproximá-las – acredita o brasiliense.
Túlio se surpreendeu com a primeira noite em campo: em lugar da escuridão habitada por moradores de rua e profissionais do sexo ofertando serviços, encontrou uma área urbana bem iluminada e tranquila.
– Uma ex-professora minha, passeando com dois cachorros, à 1h, perguntou: “Isso é arte?” – diverte-se. Então esclarece: – É um convite para entrar nesse universo.
As prostitutas assumiram seus postos pelos bancos de madeira no começo da manhã do dia da abertura da exposição. Zuleica, 39 anos, espiava a movimentação de longe.
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– Que viagem, esse cara é louco – disse, emendando em seguida: – Mas é um pitéu, né?
Perto dali, Alberto Flores, 79 anos, frustrou-se ao descobrir a finalidade da pilha de concreto:
– Pensei que era para calçar a rua, cheia de buracos.
Alguns detalhes sobre o projeto, e o aposentado, que vai à praça para ler e observar os tipos que passam por ali, esboçou um princípio de interesse:
– Acho que não tem nada artístico, mas pouco entendo de arte. Se é para o bem de alguém, importante deve ser.
É um público tomado, em grande parte, pela estranheza que Túlio terá de sensibilizar.
TRANSPOSIÇÃO
> Visitação nas segundas-feiras, das 14h às 21h, de terças a sextas, das 9h às 21h, e nos sábados, domingos e feriados, do meio-dia às 21h. Até o dia 17 de junho.
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> Galeria Augusto Meyer da Casa de Cultura Mario Quintana (Rua dos Andradas, 736, 3º andar), em Porto Alegre, fone (51) 3221-7147.
> A exposição: selecionado pelo 1º Prêmio IEAVi – Incentivo à Produção de Artes Visuais, o artista Túlio Pinto propõe uma mistura de performance e intervenção com técnicas de escultura, vídeo e fotografia. Durante 20 dias, cerca de 6 mil bloquetes de concreto serão transportados da Praça da Alfândega até a galeria, cobrindo todo o piso. A entrada é gratuita.