Duas bíblias, algumas roupas íntimas e a vida. Foi o que restou a Neto após o impacto do avião da LaMia na Colômbia. A saúde, o zagueiro conseguiu restabelecer depois. Porém 71 famílias conseguiram reaver apenas alguns pertences dos que não tiveram a mesma sorte do atleta. A Chapecoense distribuiu o que pôde dos objetos recolhidos dos escombros do acidente em 29 de novembro do ano passado. Nem tudo foi encontrado. Perdeu-se no mato ou ficou nas mãos de moradores.

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Mara Ivana Schardong guarda no apartamento na região central de Chapecó recordações que sobraram da última das tantas viagens que o marido fazia para narrar os jogos do Verdão do Oeste desde 2010, quando a família deixou Ibirubá (RS) e se mudou para a cidade catarinense. Os equipamentos para a cobertura da final da Copa Sul-Americana de 2016 foram restituídos à Rádio Chapecó, intactos pelo acondicionamento em valises fortes. Junto da necessaire com o escudo da Chape, de uma bermuda danificada pela colisão, de um livro ainda mais surrado pela lama de Cerro Gordo e de um único tênis está a camiseta que era umas das preferidas de Fernando Schardong. Sobre o tecido cinza estão estampados microfones de rádio.

Isabella Fernandez Ibargoyen recebeu um calçado. E nada mais. Esposa do jornalista Giovane Klein, ela mantém o único chinelo ainda dentro do saco plástico em que foi entregue, junto da cédula de identidade. Igualmente ocorreu com a viúva Roberta da Silva Ebeliny. No entanto, o item recuperado em meio aos destroços tem grande valor sentimental. A aliança simbolizava o amor entre ela e Edson Luiz Ebeliny, o repórter da rádio Super Condá conhecido como Picolé. O passaporte, documento usados por ele para viajar à Colômbia, foi entregue também embalado.

Dicléia Johann de Jesus tem como lembranças imagens do marido espalhadas pela sala da casa que divide com dois filhos e o genro. A maior parte delas passou a fazer parte do ambiente depois de 29 de novembro. São fotos de homenagens. É como lembra do massagista da Chapecoense Sérgio Luis Ferreira de Jesus. Entre os pertences recolhidos de Serginho estão uma Bíblia, ainda mais puída pela terra colombiana, um par de tênis e uma toalha branca com a marca de fabricante de isotônico, item de trabalho que passou a fazer parte da bagagem pessoal do homem que era o último a dormir e o primeiro a acordar às vésperas de jogos do clube para facilitar a viagem de todos os outros.

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A Associação Chapecoense de Futebol ficou responsável por fazer com que os pertences recolhidos entre os destroços chegassem aos familiares das vítimas do acidente. Os artigos foram guardados por autoridades locais, delegados a uma empresa responsável pela identificação e traslado. Porém, com a negativa da cobertura de seguro, o clube alega que teve de tomar a frente, trazendo ao Brasil também objetos recolhidos por moradores de La Union. A própria Chape teve de cuidar do reconhecimento de itens, o que gerou reclamações pelo método escolhido – viúvas se incomodaram com a exposição em grupo de WhatsApp que integravam.

Dois dias após a chegada em Chapecó, os pertences identificados foram retirados ou despachados. Os poucos sem dono estão em posse da Chapecoense, que espera definição judicial para dar um destino. De toda a bagagem no Avro RJ85, grande parte não voltou ao Brasil. Recordações perdidas junto com vidas.

– O que eu queria mesmo de volta era meus companheiros. Esses objetos pessoais poderiam ficar todos por lá para que eles voltassem – suspira Neto.

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