Quando converso com estudantes de Jornalismo ou recém-formados costumo sugerir a leitura de O Livro das Vidas – obituários do New York Times. Não sei se o livro está nas livrarias neste momento, mas uma edição recente da Companhia das Letras pode ser, no mínimo, obtida via internet. Minha recomendação não tem nada de mórbida. Ao contrário.
Continua depois da publicidade
Desde criança tenho uma paixão por histórias de pessoas, em especial a de pessoas comuns. Se eu tivesse de resumir uma definição de Jornalismo poderia optar por essa: é a técnica da contação de histórias.
Tive a sorte de, quando criança, morar quase dentro de uma enorme biblioteca. Filho de um administrador do Serviço Social do Comércio (Sesc), ao sermos transferidos para uma cidade do interior, nos distantes anos 1970, acabamos morando no andar de cima de onde meu pai trabalhava. Foi um período mágico. À noite, após o expediente do Sesc, descíamos os irmãos para a imensa, silenciosa e solitária biblioteca. Eu tinha paixão por admirar as lombadas dos livros, as capas – algumas aveludadas – e, em alguns casos, as histórias. Ali provavelmente foi alimentado o gosto de escrever e a profissão da vida inteira. Mas minhas paixões maiores sempre foram as biografias, desde aquela época.
Décadas depois continua sendo meu estilo preferido de leitura. E talvez venha daí meu apreço pelos obituários. Acredito que esse seja o gênero jornalístico mais universal, que une o grande New York Times ao menor jornal de uma minúscula cidade. Em ambos os periódicos, o obituário terá o mesmo valor: o de dar sentido de pertencimento aos leitores, a uma comunidade, independentemente do seu porte do número de habitantes.
Por isso que estimulo solenidade às seções de obituários. Mesmo que alguns jornalistas tenham por elas um olhar menor, sei que nessa seção se lapidam, para sempre, alguns dos melhores textos. Como bem escreve Matinas Suzuji Jr. no prefácio de O Livro das Vidas, escrever obituários é uma arte. “Ainda visto no Brasil como uma espécie de patinho feio do jornalismo, o texto de obituário alcançou o estado literário em países como os EUA e a Inglaterra. Em grandes jornais americanos, repórteres disputam o posto na equipe de obituaristas da mesma forma como no Brasil sonham com um posto na seção de Política de um grande jornal”, escreve. “A seção de obituários do Times é uma cerimônia de adeus diária de bom jornalismo.”
Continua depois da publicidade
Assim como o jornalão americano, gosto muito dos perfis de gente comum que fizeram coisas incomuns. Por isso que num jornal de mais de 100 páginas, como a edição do Diário Catarinense de sexta-feira, me fixo em histórias como a escrita pela precoce Bruna Vasconcelos à página 50, quando relata a despedida da jovem Franciane Maciel Dutra, de apenas 25 anos, moradora do Bairro Forquilhinhas, de Florianópolis, filha única, estudante do último ano de Jornalismo, vítima de parada cardíaca:
“… conselheira, amorosa e devota a Deus, é lembrada como a jovem que todos os dias estava na igreja de coração aberto para receber novos frequentadores. Sempre com um sorriso no rosto para quem procurasse acolhimento…”
Ao contar esta simples trajetória, o DC imagina estar abraçando dona Maria Aparecida e seu João José, pais de Franciane. Como ensina Matinas, o obituário é uma ode à vida e, ao mesmo tempo, serve para um jornal expressar carinho a quem necessita de conforto.