Em meio a acusações de espionagem e da economia que começa a dar os primeiros sinais de recuperação, o presidente americano, Barack Obama, decidiu delinear um futuro de energia e sustentabilidade – para ele próprio como político e para os Estados Unidos como potência mundial.
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Pela primeira vez, um programa de combate às mudanças climáticas foi introduzido na pauta. Além da carta de intenções, Obama estabeleceu condições para aprovar o oleoduto entre o Canadá e o Texas e pediu que o país assuma a dianteira na luta contra o aquecimento global – às vésperas de um verão que ficou perto do recorde centenário de 56,6ºC nos EUA. Especialistas concordam que a ação de Obama é inédita e ousada. Coincidem também na opinião de que tem grande apelo público. Discordam apenas quanto ao que o motiva. Uns dizem que o programa, ainda na intenção, é fruto do lobby de produtores de milho (interessados na adoção de energia renovável do biodiesel). Outros apostam na sinceridade do presidente.
– É uma briga pessoal de Obama, e não do governo americano. O presidente acredita que as mudanças climáticas são uma ameaça e quer deixar sua marca ao tentar atacar o problema. Para não se sujeitar ao humor do Congresso (onde a oposição republicana trava a intenção), ele quer fazer tudo por meio de regulações que a Agência de Proteção Ambiental irá fiscalizar – diz Roberto Schaeffer, professor do Programa de Planejamento Energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima das Nações Unidas (IPCC).
O anúncio de Obama foi feito em discurso para estudantes da Universidade Georgetown. Os aplausos vieram quando prometeu pôr fim ao uso de usinas de energia movidas a carvão, que despejam grande volume de poluição na atmosfera. Também quando instruiu a EPA a “estabelecer padrões de poluição por carbono tanto para usinas de energia novas quanto para as já existentes”.
Na esteira das bondades, anunciou US$ 8 bilhões em garantias de empréstimos a investimentos tecnológicos capazes de impedir a liberação do dióxido de carbono produzido por usinas, derrubar barreiras comerciais a produtos de energia limpa e fomentar a cooperação bilateral climática com economias como as de Brasil, China e Índia.
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– O que o presidente fez foi dar um primeiro passo para as reduções americanas, e, se outros países o seguirem, para o mundo – diz Schaeffer.
Sem paralelo com anúncios feitos nos EUA, o programa levará o país a cumprir a meta de reduzir em 17% as emissões de gás carbônico em 2020 em relação aos níveis de 2005, afirma Schaeffer.
“A economia americana quer uma retomada”, diz especialista
Entre os críticos, a constatação de que o plano amplia as instalações de energia renovável e melhora a eficiência no consumo é relativizada pela falta de definição sobre como lidar com os projetos de energia que mais geram controvérsia entre ambientalistas: o oleoduto KeystoneXL e a extração de gás de xisto.
– Claro que há uma preocupação com o ambiente. Mas entendo que, no fundo, eles estão fortalecendo sua indústria. Tudo é uma maneira de entrar no debate ambiental, mas não acredito que os americanos levem isso a sério. Eles geraram uma força energética barata com o gás de xisto, e isso faz a indústria americana se tornar mais competitiva – diz João Luiz Zuñeda, engenheiro químico especializado em petroquímica pela UFRGS/Petrobras.
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E Zuñeda acrescenta:
– A questão de energia nos EUA está em uma fase que gera competitividade na indústria. Esse é um ponto fundamental. A economia americana quer uma retomada, e é importante haver um custo energético baixo, o que requer uma força de desenvolvimento tecnológico. Os EUA estão mudando sua matriz energética e fortalecendo sua indústria.
Um plano e suas circunstâncias
Usina
A Agência de Proteção Ambiental (EPA) estabelecerá padrões para as emissões de carbono na geração de energia, responsável por 40% das emissões americanas, tanto por usinas já existentes quanto por futuras.
Fontes renováveis
O Departamento do Interior vai permitir a instalação em terras públicas de projetos privados de geração de energia a partir de fontes renováveis para suprir pelo menos 6 milhões de lares até 2020.
Combate ao desperdício
Estabelecer novos padrões de eficiência para veículos leves e pesados, eletrodomésticos, prédios residenciais e empresas, de forma a reduzir as emissões de carbono em 3 bilhões de toneladas até o fim da próxima década.
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Consumo do governo
Ter pelo menos 20% da energia usada por agências, instituições e instalações federais vindos de fontes renováveis nos próximos sete anos.
Investimento oficial
Obama dará US$ 8 bilhões em garantias de empréstimos a investimentos em tecnologias capazes de impedir a liberação do dióxido de carbono produzido por usinas.
E agora?
Os detalhes dos novos regulamentos da EPA serão redigidos ao longo de 2014, e seus custos ainda não foram determinados. Obama quer que os planos estejam concluídos até junho de 2015.
O oleoduto Keystone XL
A construção do oleoduto para levar o petróleo das areias do Canadá para refinarias no Texas deve ser aprovado apenas “se não exacerbar” a poluição.
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O xisto
O documento de Obama evita tratar dos problemas do “fracking” (a técnica de extração de gás de xisto). Além do risco de poluir lençóis freáticos, o gás de xisto joga no mercado um combustível abundante e barato, que concorre com a energia renovável e não é isento de emissões.
O que é o xisto?
É o gás natural que pode ser encontrado preso dentro de formações de xisto argiloso. Vem se tornando fonte cada vez mais importante nos EUA. Em 2000, o gás fornecia 1% da produção dos EUA de gás natural. Em 2010, já era superior a 20%.
Qual a importância?
O governo dos EUA prevê que, até 2035, 46% do fornecimento de gás natural virá de gás de xisto.
– É uma fonte não renovável, mas mais limpa, e isso faz o americano dizer que gera gás natural, e não petróleo. E faz com que se fortaleçam no mundo, geopoliticamente. Querem levar isso para o mundo como um diferencial competitivo – diz o especialista João Luiz Zuñeda.
Como reagiu a indústria?
As ações das principais empresas americanas de mineração de carvão registraram queda após o anúncio. Na véspera, já haviam sofrido perdas devido à expectativa sobre o plano.
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Os empecilhos
Congressistas republicanos criticam a ideia do presidente de fazer frente às mudanças climáticas por considerarem que ela causaria desemprego e prejudicaria a recuperação da economia.
Resposta aos críticos
“Eles dizem isso o tempo todo, e o tempo todo eles estiveram errados”, disse Obama. E ainda os definiu, ironicamente, como a “sociedade da terra plana”.
Que reações virão
Deputados e senadores republicanos devem apresentar projetos de lei para deter o programa. Também é provável que as regras para usinas já existentes venham a ser contestadas na Justiça pela indústria.