Movimentos favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff ganharam um reforço de peso nesta sexta-feira: o conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por 26 votos favoráveis e 2 contrários, decidiu apoiar o processo de afastamento da petista do cargo. Não se trata de análise de mérito, mas a entidade, autora do pedido de impedimento do ex-presidente Fernando Collor em 1992, avaliou que existem indícios suficientes para que a investigação sobre o governo do PT seja feita no Congresso. A direção da OAB, presidida por Claudio Lamachia, ainda irá avaliar se apresentará novo pedido de impeachment ou se manifestará alinhamento com o processo que já tramita na Câmara.

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— Há, sim, elementos jurídicos para a instauração de impeachment. Principalmente os relacionados à obstrução da justiça, a nomeação do ex-presidente Lula como forma de haver modificação de foro, a delação do senador Delcídio Amaral — opinou o relator da matéria, Erick Venâncio, que citou também as pedaladas fiscais do governo como um descumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal.

A decisão foi tomada em reunião extraordinária convocada na última quarta-feira, depois de se tornarem públicos os áudios telefônicos entre Dilma e o ex-presidente Lula. Nas conversas, ficou sugerido que a posse de Lula como ministro-chefe da Casa Civil teria o objetivo de obstruir a justiça e livrá-lo do juiz Sergio Moro, de Curitiba.

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O relatório de Erick Venâncio, do Acre, trouxe a delação premiada do senador Delcídio Amaral (ex-PT) como um dos principais fatores de apoio ao processo de impeachment. Ele classificou como “estarrecedoras” as revelações de que Dilma e Delcídio teriam conversado sobre a nomeação de Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), desde que ele tivesse o compromisso de libertar presos pela operação Lava-Jato, principalmente Marc elo Odebrecht, da construtora Odebrecht, a maior do Brasil. Depois de tomar posse, Navarro votou pela liberação de empreiteiros detidos, mas foi vencido pelas posições dos seus pares em decisões colegiadas.

— Teria a presidente da República utilizado a prerrogativa do seu cargo para nomear magistrado compromissado em atos que importam em obstrução da justiça. (…) O senador afirma textualmente que foi escalado pela presidente para obstruir as investigações da operação Lava-Jato — analisou o relator Venâncio.

Ele abordou com ênfase a posse de Lula como ministro-chefe da Casa Civil, indicando que havia tentativa de “deslocamento de foro”, com transferência das investigações sobre o ex-presidente da Curitiba para o Supremo Tribunal Federal (STF).

— Qual o interesse público relevante e inadiável para publicar edição extraordinária do Diário Oficial com a nomeação (de Lula)? A presidência da República foi utilizada para interesses outros. Tal conduta fere princípios da impessoalidade — disse.

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O relator também incluiu no relatório as isenções fiscais concedidas pelo governo Dilma à Fifa, durante a realização da Copa, o que teria sido um descumprimento à Constituição.

Depois da manifestação de Venâncio, se posicionaram as 27 regionais da OAB, mais um membro honorário vitalício com direito a voto individual. Cada seccional conta com três integrantes no conselho federal, mas os votos foram contabilizados por cada uma das bancadas estaduais. A maioria foi favorável ao apoio da entidade ao impeachment de Dilma, mas também surgiram críticas ácidas ao juiz federal Sergio Moro, que conduz inquéritos da operação Lava-Jato.

— Não quero a ditadura dos homens togados, tenho nojo dela também — afirmou o presidente da OAB do Rio, Felipe Santa Cruz.

Estouraram manifestações indignadas com os grampos autorizados por Moro, sobretudo os que atingiram o escritório de advocacia contratado pelo ex-presidente Lula, o que cercearia a defesa. Para os contrários ao impeachment, as gravações são ilegais.

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— Com todo respeito à maioria já formada, não quero que um dia a história me diga que eu estava certo quando homologamos e quebramos a regra de que o ilegal pode ser legal para condenar quem não gostamos — discursou o conselheiro Cezar Britto, ex-presidente da OAB.

Enquanto a reunião da ordem se iniciava, no final da manhã desta sexta-feira, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, enviou ofício solicitando espaço para fazer a defesa de Dilma. Houve concordância e foram concedidos 20 minutos para manifestação. Chegou a ocorrer altercação na reunião da OAB porque um número minoritário de conselheiros entendia que o governo merecia mais tempo para sua defesa, tese que acabou derrotada.

Cardozo argumentou que as contas de Dilma de 2014 somente foram apreciadas e rejeitadas no TCU, de caráter sugestivo, e que não há decisão final do Congresso. Esse ponto foi alvo da análise do relator, que entendeu ser suficiente a decisão do tribunal.

— Há apenas investigação preliminar do TCU. Tudo nesta questão está em duvidoso, não há nenhum delito — argumentou Cardozo.

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O ministro, de confiança de Dilma, também procurou desqualificar a delação de Delcídio. Para Cardozo, o senador estaria em busca de vingança depois de ser preso pela Lava-Jato.

— Tomar como prova manifestação de réu preso? Dar credibilidade sem investigação é algo que nós, advogados, não costumamos fazer — afirmou o ministro.

Cardozo ainda questionou se “a ordem admitiria uma ilegalidade como prova”, se referindo às escutas que flagraram conversa entre Lula e Dilma sobre a posse na Casa Civil, em suposta tentativa de evitar a prisão do líder petista.

A postura mais ativa da OAB no campo político coincidiu com a posse de Cláudio Lamachia, em fevereiro, na presidência da entidade. Logo depois de assumir, ele solicitou acesso à delação premiada de Delcídio e a parte dos autos da operação Lava-Jato. Ele ainda deu declarações, como na solenidade da sua posse, indicando possibilidade de alinhamento com a tese do impeachment.

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— Esse tema foi precedido de amplo debate democrático em todas as 27 OABs nos Estados — afirmou Lamachia, refutando críticas de que a decisão foi açodada.

Em novembro passado, quando a ordem ainda era presidida por Marcus Vinicius Furtado Coêlho, uma comissão avaliou e decidiu, por três votos contra dois, que as pedaladas fiscais não configuravam crime de responsabilidade para embasar o impeachment. Agora, embora tenham surgido fatos novos, como a delação de Delcídio e a suposta obstrução da Justiça, a OAB acabou mudando de posição.