Com um forte tapa na lateral do púlpito de madeira, como se dissesse “Desta vez, você acertou, cara!”, Barack Obama encerra 30 minutos de um de seus últimos discursos antes da eleição que coloca à prova seus quatro anos na Casa Branca. O gesto passa despercebido da maioria na multidão, àquela altura hipnotizada com o candidato-presidente e – para muitos – ídolo. O tapa soa como o desabafo de um homem conhecido pela energia, mas que, na atual campanha, parecia ter perdido a conexão com seu público: o rosto fechado, o tom de voz cansado que o mundo viu no primeiro debate com Mitt Romney.
Continua depois da publicidade
Mas, aqui, entre os prédios históricos da capital do primeiro Estado americano a conquistar a independência do império britânico, o político de 2008 está de volta. O Obama de Concord, New Hampshire, é o velho Obama: fala de sonho, de futuro, sem ataques ao adversário – estes ficam para Bill Clinton, que o antecede -, e traz de volta a palavra “change” (mudança), pronunciada 15 vezes.
Entre o público, um homem carrega um quadro com grossa moldura e vidro protegendo uma foto de John F. Kennedy, presidente democrata assassinado em 1963.
– Obama ressuscitou esse espírito. JFK foi um dos melhores presidentes que a América já teve – diz o senhor, que planeja entregar o quadro a Obama, mas é convencido, por voluntários da campanha, a desistir.
No palco, Obama, vestindo suéter, jaqueta preta e sem gravata, não vê o quadro de JFK. Destrincha feitos de seu governo:
Continua depois da publicidade
– Osama bin Laden se foi.
– Nossos jovens têm melhor educação.
– E todos os americanos, independentemente da classe social, têm acesso a serviços de saúde.
Também foca na classe média, o filão que deve decidir a batalha eleitoral.
– Conquistamos o verdadeiro progresso nos últimos quatro anos. A reforma na saúde e as novas regras para bancos são medidas que beneficiam a classe média – discursa o presidente, com auxílio do teleprompter (aparelho em que é possível ler o texto sem tirar os olhos da plateia).
Distante 10 metros do presidente, Usher Diallo, cinco anos, observa com olhos arregalados o homem que conhecia apenas da TV. Quando soube que Obama estaria na cidade, pediu à mãe, Fatima Bah, para vê-lo. Acordou cedo.
– Você gosta de futebol ou de basquete? – pergunto.
– Basquete, como Obama – ele diz.
Fatima compara Romney a George W. Bush:
– São espelhados.
Como se adivinhasse o que pensa a eleitora, Obama questiona a multidão:
– Vocês querem o retorno do que tínhamos há quatro anos?
– Não! – gritam todos, e Fátima interrompe a entrevista para compor o coro.
Expor o presidente da maior potência do planeta em uma área aberta como esta, no cruzamento da N. State Street com a Park Street, exige atenção total do serviço secreto. No alto dos prédios, agentes esquadrinham, com binóculos, o ambiente. Enquanto Obama fala, policiais misturados ao público, reconhecidos apenas pelos fones de comunicação discretos atrás da orelha, miram olhos, bolsas, mãos e casacos, como se alguma ameaça fosse iminente.
Energizado pelo resultado das pesquisas do fim de semana, que o colocam com vantagem – ainda que pequena – em Estados-chave, como Flórida, Ohio e Virgínia, Obama está leve. Demonstra naturalidade com o cerco da segurança: não ignora os cuidados, mas, quando se aproxima do público, parece feliz: aperta mãos, sorri, dá autógrafos e faz pose para fotografias. O presidente, o candidato e o ídolo se misturam.
Continua depois da publicidade