Darci Silva foi o maior sineiro da Lagoa da Conceição. É o que se diz no bairro. Aos domingos ele acordava junto com o galo, vestia calça de tergal e camisa branca, penteava o cabelo e caminhava um quilômetro e meio do Canto dos Araçás até a Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, no morro do Assopro, para avisar a comunidade que a missa já ia começar. Subia no alto da torre e então puxava a corda para repicar os sinos e fazer três vezes o chamado.

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Tocar o sino parece fácil, mas não é. Darci, hoje com 64 anos, já não pode mais subir a estreita torre da igreja porque a saúde limitou alguns movimentos, mas deixou a vaga de sineiro há 10 para Ailton João Peres Filho, 52 anos, provavelmente o último a ocupar o cargo.

Ninguém além deles sabe o jeito certo de repicar o sino, tanto que o pároco do templo religioso, o padre Valdecir Vieira, pensou em promover um curso, antes que o patrocínio para o projeto de instalação do sistema de acionamento elétrico para sinos chegue.

– Antigamente o sino tocava três vezes por dia para marcar o horário – às 6h, 12h e 18h. Quando alguém morria o repique era lento – lembra o morador Almir Peres, 56.

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Mas quando era mulher ou criança que morria, o toque era diferente:

– Três badaladas se era mulher e duas se era criança – conta Lindomar Cunha Vieira, 81 anos.

Lindomar é de um tempo em que na Lagoa da Conceição, uma das primeiras freguesias de Florianópolis, não existia nem telefone, nem muito barulho. Os sinos da igreja erguida há 234 anos eram a comunicação da comunidade. E também o orgulho: feitos de bronze, eles foram presente do próprio Dom Pedro II em 1861 e ostentam o brasão do antigo império.

Comenta-se que Dom Pedro II, cuja fama de mulherengo não era segredo, tinha uma amante em Florianópolis chamada Conceição e como prova de amor mandou os sinos de presente e o pedido para que a igreja levasse o nome da amada.

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A Lagoa na contemporaneidade

Os católicos afirmam que o sino indica a presença de Deus. O padre Valdecir Vieira diz que o símbolo tem a função de chamar as pessoas para a igreja e de reunir a comunidade. No Brasil, os toques dos sinos tiveram influência até mesmo da cultura africana, porque no período colonial eram os escravos que tocavam.

– Repicar os sinos é uma prática que ficou mais comum a partir da idade média e antigamente os padres ensinavam – diz ele.

Na Lagoa da Conceição, os sinos repicavam todos os dias para avisar a hora da Ave Maria, para avisar as mortes, os nascimentos, as festas e as procissões, tanto que há alguns anos o barulho chegou a causar alvoroço entre nativos e novos moradores, que reclamavam do volume do sino e chegaram a registrar um Boletim de Ocorrência.

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Hoje o som é ouvido apenas três vezes no domingo de manhã e antes de alguns casamentos, quando os noivos pedem. Muito em razão do choque cultural reinante no bairro. Ao passo que nativos resistem para manter costumes e tradições, a Lagoa é uma das áreas mais procuradas por novos moradores e por estrangeiros, fazendo da região uma das mais cosmopolitas da cidade.

– É que hoje o mundo anda tão barulhento, não é? Ninguém nem escuta mais o sino. Eu moro atrás da praça e tem noite que não consigo dormir – diz Maria Verônica dos Santos, moradora antiga, tentando resumir a contemporaneidade da Lagoa.

Você sabia?

– Em muitas igrejas da Europa os sinos são acionados automaticamente, inclusive pelos iPhones dos padres.

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– O ofício de sineiro foi tombado como patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

– Os cinco sinos da Catedral Metropolitana de Florianópolis são acionados automaticamente – às 12h e 18h nos dias de semana. No domingo, bate às 9h, 12h, 17h45min, 18h e 19h.

– O sino da Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Lagoa da Conceição é das poucas peças originais. É feita em cobre e pesa mais de 500 quilos, razão pela qual nunca foi roubada.

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