A viatura policial abre caminho entre a multidão pelo paço municipal de Porto Alegre. Atrás, vêm sedãs pretos, com os vidros escurecidos com películas. Não era necessário ver quem estava dentro dos veículos para adivinhar que um deles trazia o passageiro mais esperado do dia: Lula, para discursar na “esquina democrática” (cruzamento entre a Avenida Borges de Medeiros e Rua dos Andradas, no Centro) da capital gaúcha, às vésperas do julgamento do recurso contra a sua condenação pela Lava-Jato, no TRF-4. Eram 18h10min. E então o ex-pintor Ediceu Miranda descansou.

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Fazia quatro dias que ele havia chegado de Giruá (RS), distante 474 quilômetros, para a montagem do Acampamento pela Democracia – onde se instalaram os manifestantes que vieram acompanhar a decisão do tribunal -, no Anfiteatro Pôr do Sol. Desde então, a rotina dele consistiu em serrar madeiras, pendurar lonas e preparar o local, às margens do rio Guaíba, para receber as cerca de 50 mil pessoas estimadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Transformado em carpinteiro, Miranda faz parte de uma equipe de “uns 500” integrantes, escalados pelo MST para a função.

– Lula vai ser absolvido. Mas já existem pessoas preparadas para entrar no lugar dele, caso ele não possa concorrer (à eleição). Algo vai acontecer, como está não vai ficar – garante.

Aos 46 anos, cinco dos quais dedicados ao movimento, ele ainda estava fixando estacas na manhã de ontem quando a companheirada começou a desembarcar de ônibus de todo o país. A cada instante, a paisagem do acampamento mudava, com a instalação de barracas e “puxadinhos” nas estruturas erguidas com bambu e cobertas com plástico preto. Na hora do almoço, o vapor do macarrão sendo fervido se misturava com o cheiro de carne e feijão. Para a professora Maria Teresa Oliveira, 51, recém-instalada depois de 17 horas de estrada a partir de Santa Teresa do Oeste (PR) estava mais do que bom.

Barriga cheia, amigos reencontrados e corpos descansados na medida do possível, o pessoal iniciou a caminhada de pouco mais de dois quilômetros até a esquina democrática. Organizadas em três fileiras (e quem saísse delas era repreendido por alguém do MST), a multidão ganhou as ruas puxada por um caminhão de som. “Somos 10 mil”, gritava um homem lá de cima, para em menos de 15 minutos elevar o total para 15 mil. O fato era que o bloco da frente já estava quase na metade do caminho e ainda tinha gente deixando o acampamento. As palavras de ordem ficavam distantes, mas a batucada da juventude do PT não deixava nunca o silêncio imperar.

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O conselheiro tutelar Rafael Silva, de Caxambu do Sul, no Oeste Catarinense, encarou 12 horas de estrada e já desceu do ônibus disposto a encarar mais algumas horas de pé para ver e ouvir Lula. Como a companheirada já tinha partido do anfiteatro, ele vestiu a camiseta da Chapecoense e correu para o local do discurso. Não conseguiu lugar diante do palanque e se contentou em assistir a movimentação pelas costas. A essa altura, lideranças petistas se revezavam no microfone, esquentando o público para Lula entrar em cena.

– Não tem provas contra ele. Vamos pelear até a última instância. Eleição sem Lula é fraude – afirmou, repetindo um dos slogans mais populares da tarde.

Às 19h45, precedido pela interpretação de O Bêbado e o Equilibrista pela cantora Ana Cañas, finalmente o ex-presidente tomou a palavra. Mal abriu a boca, foi interrompido pelos gritos de “Lula, guerreiro / do povo brasileiro”. Começou dizendo que não iria falar do processo nem da justiça:

– Eu vim aqui para falar do Brasil, da soberania nacional, da integração da América Latina, de esperança e sonhos – bradou, continuando com uma retórica que mesclava juras de inocência com as conquistas de seu governo.

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Sentado no meio-fio da calçada ao lado da prefeitura, atrás do palanque, Miranda sorria. Cada frase de Lula era saboreada por ele como se fosse um revigorante.

– É daí que vem a força que move nosso coração – disse.

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