O romancista blumenauense Godofredo de Oliveira Neto investiga Copacabana e o teatro em seu novo romance, que chega nas livrarias neste mês de abril com lançamento oficial nesta segunda, dia 11 de abril, na Travessa Botafogo, no Rio de Janeiro. Grito tem como personagens centrais Eugênia e Fausto, uma atriz octogenária aposentada e um jovem ator negro e iniciante. Vizinhos em Copacabana, eles compartilham um universo que mistura realidade e fantasia, vida e arte. Os dois comungam a paixão pela arte dramática, numa relação de posse e de dominação.
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Confira a entrevista
Grito, Goethe e teatro
Venho pensando e escrevendo o romance Grito desde a virada do século. A entrada nos anos 2000 me fez pensar muito sobre o que é literatura. O romance epistolar Werther, um dos romances iniciadores do romantismo alemão, publicado em 1774, mexeu com as estruturas romanescas de então. O Fausto, logo depois, idem. O século XXI parecia exigir novas formas de fazer literatura. O teatro, pela polifonia informacional, é o gênero que melhor capta a alma do novo século. Juntei então romance e teatro. Leio muito Goethe. O Werther li inúmeras vezes. Na época em que o livro foi publicado houve uma onda de suicídios na Alemanha por problemas amorosos e culpavam o Werther. Ainda que seja meio folclórico, é interessante como isso se espalhou.
Eugênia e a culpa de Fausto
Eugênia tem o sentimento amoroso também do século XXI. Ela ama uma pessoa, não importa gênero, raça, cor, religião ou…. idade. Quis passar essa mensagem: amar uma pessoa! Fausto é um vencedor, é pra cima. Mas há uma culpa, e essa culpa aparece com força uma vez, ainda que não seja dele diretamente a culpa: A morte da irmã no nascimento. A vitória individual, desgarrando-se do seu grupo social, talvez o torture. Não sei.
Os diversos faustos citados no livro
Pois é, a leitura desses Faustos todos foi fundamental. A de Valéry, de Thomas Mann e de Puchkin são geniais, mas a de Goethe é imbatível, claro. A primeira vez que ouvi falar de Goethe foi através da Dona Frida, minha professora no ginásio no Colégio Santo Antônio de Blumenau.
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A construção e o cenário de Copacabana
Tento construir um romance mesclando os dois gêneros, literatura e teatro. Buscar o equilíbrio nessa estrutura foi o mais trabalhoso e que exigiu mais cortes, adaptações e costuras. Copacabana tem indicações cênicas extraordinárias. É o bairro pós-moderno por excelência.
Aulas na Sorbonne
Tive pensadores como Barthes e Derrida como professores. Se fosse hoje, acho que aproveitaria ainda mais os seus ensinamentos. Foi algo extremamente marcante. Mas estou sempre à la recherche du temps perdu (Em busca do tempo perdido).
Grito
Godofredo de Oliveira Neto
Ed. Record
160 páginas
R$ 32,90
Leia um trecho de O grito
Ele diz se tratar do grito que sua irmã gêmea não conseguiu dar no nascimento. Nasceu morta. Se chamaria Ifigênia de Sá Sintra. E isso liberta ele. Depois virou um costume; e a cada situação profissional nova Fausto solta o grito engasgado na garganta da gêmea. Meio tétrico eu também sempre achei, mas tudo bem, ele agora ri às gargalhadas. É grito de alegria. Um grito diferente. Parece mais um choro misturado com risada alta. Dá para sentir que o choro foi aos poucos perdendo espaço para o riso, e apenas no comecinho, e só para os que o conhecem de perto, detecta-se o pranto. Como eu já vi de tudo nos meus mais de sessenta anos de carreira teatral representando personagens de toda ordem, indo de loucos e pirados a heróis invencíveis e a ciumentos assassinos, como já vi de tudo, não me causou surpresa esse cacoete dele. Fausto é um bom menino. E, depois, aquela pele luzidia, de um negro que a gente não vê pelas ruas do Rio; esse contraste com os olhos cor de mel; as tranças afro sempre cuidadas; o nariz puxando a mãe índia do Pantanal, segundo ele; o cabelo do pai iorubá, também segundo ele, e o corpo, ai, moça, o corpo.
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Sobre o autor
Godofredo de Oliveira Neto é autor, entre outras obras, de Amores exilados, Menino oculto (segundo lugar no Jabuti 2006), e Ana e a margem do rio. É graduado e mestre em Letras pela Universidade da Sorbonne (Paris III) e doutor em Letras pela UFRJ – onde leciona na graduação e na pós-graduação.