É um feito chegar aos 90 anos como ídolo de várias gerações – entre elas uma multidão de jovens.

Continua depois da publicidade

O escritor americano Stan Lee completa suas nove décadas como um sinônimo de quadrinhos e uma figura conhecida do cinema e da TV por fãs do mundo todo.

Nascido em Nova York em 28 de dezembro de 1922, Lee criou, em um surto de inventividade nos anos 1960, alguns dos personagens de quadrinhos mais populares do planeta. Homem-Aranha, Hulk, Quarteto Fantástico, Homem de Ferro, Doutor Estranho, Thor, X-Men e outros super-heróis da editora Marvel – hoje mundialmente conhecidos também pelas adaptações cinematográficas recentes – foram criações de Lee em parceria com alguns dos grandes artistas do traço, como Jack Kirby, Steve Ditko e John Buscema.

Relembre alguns personagens criados pelo escritor americano

Continua depois da publicidade

As aparições de Lee nos filmes baseados em personagens da Marvel Comics

Lee é um típico “self-made men” de sua geração. Judeu, morador do Bronx, na época uma vizinhança pobre e marginalizada, cresceu durante a Grande Depressão que sucedeu à quebra da Bolsa de Nova York em 1929. Trabalhou desde a infância em vários ofícios: office-boy, entregador, jornaleiro e carregador de malas. Leitor voraz desde a infância, sonhava ser escritor e começou nos quadrinhos antes de completar 20 anos, levado por Martin Goodman, parente da mãe de Lee, para a pequena editora Timely Comics, embrião da poderosa Marvel.

Em uma entrevista de 1974 ao repórter Jay Maeder, da revista norte-americana Comics Feature, Lee já declarava que um de seus objetivos era mudar a forma como artistas de quadrinhos eram encarados. Com o humor que lhe é peculiar, lembrava que, ao conhecer alguém em uma festa, a reação das pessoas ao saber que ele era roteirista de HQ não era das mais simpáticas: “‘Quadrinhos, oh, que ótimo’, e então eles se afastavam, sabe, para procurar algum romancista ou alguma celebridade de rádio e TV”.

Embora a cultura dos quadrinhos ainda seja associada por muitos a um nicho infantil, o jogo mudou, e muito graças a Stan Lee e suas décadas de serviços prestados ao gênero. Participação constante nos filmes dos super-heróis que criou e apresentador da série de TV Super-humanos, Lee chega em plena forma aos 90. Que venham outros…

HQ renovada: o legado do reinventor dos super-heróis

Operário relutante de uma mídia na qual pensava ocupar um espaço temporário, Stan Lee terminou por se tornar o símbolo de uma discreta revolução nos quadrinhos de super-heróis.

Continua depois da publicidade

Seus personagens, repletos de dúvidas e passando pelas dificuldades de pessoas comuns, casavam a aura mítica de seres extraordinários com os conflitos de criaturas verossímeis.

Relembre alguns personagens criados pelo escritor americano

As aparições de Lee nos filmes baseados em personagens da Marvel Comics

Essa, mais do que qualquer uma de suas populares criações, é a verdadeira contribuição de Lee para o universo dos quadrinhos.

– Pode-se dizer que a Marvel se tornou um grande conglomerado (com editora, estúdio de cinema) porque Stan Lee soube reinventar um gênero – a superaventura – após a crise da década de 1950. E fez isso do jeito mais singelo possível: percebendo o contexto e ouvindo o público, que ansiava por referenciais palpáveis, próximos a sua realidade. E como fez isso? Popularizando os super-heróis e humanizando esses personagens icônicos ao colocá-los em situações por que todos nós passamos: a briga com a namorada, a falta de grana no fim do mês etc. – analisa Iuri Andreas Reblin, professor da Escola Superior de Teologia de São Leopoldo e autor de Para o Alto e Avante: Mito, Religiosidade e Necessidade de Transcendência na Construção dos Super-Heróis.

Esse casamento entre o mítico, representado pela figura superpoderosa do herói, e as angústias que também eram as do público se dava mesmo no nível mais básico dos quadrinhos de herói, as ameaças:

Continua depois da publicidade

– Ao passo que Super-Homem se ocupava com (o supervilão) Darkseid, Peter Parker se preocupava com o ataque do coração que a Tia May pudesse ter se soubesse que ele era o Homem-Aranha – diz Reblin.

O irônico é que as mais populares e inovadoras criações de Lee foram imaginadas quando o autor já se preparava para mudar de ramo. A vontade de ser romancista era tamanha no início da carreira, que ele preferia assinar seus trabalhos nos quadrinhos com um pseudônimo, para não associar esse tipo de trabalho ao nome verdadeiro que usaria em suas almejadas obras em prosa. Mas, num caso típico de identidade secreta que some atrás da máscara mais conhecida do público, tema recorrente dos quadrinhos de heróis, Stanley Martin Lieber virou definitivamente Stan Lee ao criar o Quarteto Fantástico, em 1961, quando já tinha duas décadas de trabalho nos quadrinhos, nenhum deles particularmente notável.

Com a criação da linha de Super-Heróis da Marvel, Lee renovou um mercado em crise, afetado nos anos 1950 pela paranoia persecutória movida pela campanha do psicólogo Fredric Wertham, que via nos quadrinhos um veículo para a desestabilização e a corrupção da juventude. A crise era tão aguda e os ganhos tão baixos que Lee já pensava em mudar de ramo.

– Ao assumir a Marvel Comics e se juntar a uma gama de experientes desenhistas (Jack Kirby, Steve Ditko, Don Heck, John Buscema) cujo domínio da arte sequencial é incontestável, ele teve o perfeito cenário para inovar. Na verdade, tudo é muito curioso, porque Stan estava decidido a deixar os quadrinhos e, quando recebeu de Martin Goodman a incumbência de criar o Quarteto Fantástico, resolveu “chutar o balde” e inserir na série tudo o que ele achava que uma HQ deveria ser – relata Alexandre Callari, coautor, com Bruno Zago e Daniel Lopes, do almanaque Quadrinhos no Cinema (editora Évora).

Continua depois da publicidade