As pessoas têm sonhos. Eles podem ter outros nomes, sinônimos, mas no fim das contas sempre são sonhos. Com Tiaguinho não era diferente. Estagnado no interior de São Paulo enquanto seu contrato com o Corinthians encaminhava-se para o fim, em 2015, ele foi descoberto pelo Metropolitano e surgiu como uma incógnita. Poderia ser apenas mais uma promessa que aparecia de desconhecidos rincões, mas não. Trabalhou para ser marcante, diferenciado, a ponto de despertar atenções de um clube verde do Oeste de Santa Catarina.
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Para chegar onde estava, Tiaguinho teve que apertar o botão da paciência durante sua passagem por Blumenau. No banco de reservas do clube no Campeonato Catarinense – e por vezes nem mesmo relacionado – buscou espaço, correu atrás, se dedicou, até que recebeu a chance de vestir a camisa 11, há oito meses. Tudo motivado pelo sonho de que um dia seu pai, deficiente visual, pudesse vê-lo jogar pelo Flamengo em pleno Maracanã. Era o desejo de Tiaguinho. Um desejo sincero, que vai um passo além do sonho de toda criança em ser jogador de futebol.
Tiaguinho era humilde. Tão humilde que não deixava subir à cabeça o fato de fazer parte de um grupo que era a sensação do futebol brasileiro em 2016 – e muito menos por ter subido os degraus da Série D à Série A em um simples estalo de dedos. Que o digam Osmair Goebel e Cesar Paulista. O primeiro é responsável por descobrir o atacante em Piracicaba (SP), e o outro, por colocá-lo como titular, algo que teve como consequência o primeiro despertar de interesse da Chapecoense.
– Às vezes, antes de eu ser treinador, ele chegava para mim e dizia que estava desanimado. Aí eu falava para ele ter paciência porque uma hora a chance ia aparecer. Por conta disso ele sempre me ligava, agradecia por eu ter colocado como titular. Sempre foi muito grato – disse o técnico do Metropolitano, Cesar Paulista, ao lembrar sobre Tiaguinho.
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– Quando fiquei sabendo da notícia hoje (ontem) pela manhã fui olhar meu celular e ver as mensagens que ele tinha me mandado na quinta-feira passada. Não aguentei e me emocionei – conta Goebel.
Além de Tiaguinho, outros dois jogadores que estavam no voo já representaram o Metropolitano. O zagueiro Neto (2010) é um dos sobreviventes. O atacante Bruno Rangel (2012), assim como Tiaguinho, estava no avião e ainda precisa ser reconhecido pelos familiares. Uma característica comum entre Bruno e Neto é a intensa fé em Deus, como lembra o fisioterapeuta do clube blumenauense, Anderson Tomelin.
– Eles são muitos apegados à religião, ligados na família. O Neto morava perto da minha casa, e uma das lembranças que tenho é dele indo em direção ao parquinho para levar os filhos (gêmeos). Vamos rezar para que ele fique bem. Não era diferente com o Bruno Rangel, que tem uma menina, era muito amoroso, mas um pouco mais calado – recorda Tomelin.
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Nequinha, jogador que mais vestiu a camisa do Metrô (140 jogos) disse que foi difícil segurar as lágrimas pela manhã após uma ligação que o comunicou sobre a tragédia. Ele atuou ao lado de Neto e de Bruno Rangel.
– Minha primeira reação foram lágrimas, até por lembrar de outros colegas que tive tanto na passagem pelo Metropolitano, quanto no tempo que fiquei na Chapecoense. Agora vamos fazer algumas orações a mais para que o Neto se recupere – disse o lateral-direito, que passou cinco temporadas em Blumenau.
Lembranças
da equipe
Preocupado e quieto, Bruno Rangel sempre chegava aos treinos do Metropolitano com seu carro emplacado em Belém (PA), com uma cadeirinha de bebê no banco de trás. Atencioso com sua filha e extremamente ligado à família, o atacante – que anos depois viria a se tornar o maior artilheiro da história do Verdão do Oeste – se preocupava também com aqueles que nem eram tão chegados assim.
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– Ele pegava no pé porque sou fumante. Dizia que eu tinha que parar, que isso não fazia bem – lembra Giovani Vitória, assessor de imprensa do Metropolitano entre 2011 e 2013.
Dos três, Bruno Rangel foi aquele que mais chegou perto de dar ao Verdão de Blumenau a alegria do acesso à terceira divisão do futebol nacional. Não conseguiu. Marcou cinco gols em 13 jogos e esbarrou com toda a equipe no Mogi Mirim-SP nas oitavas de final. Meses depois se despediu de Blumenau, ia justamente para Chapecó onde viraria herói, artilheiro. De lá, se despede como Claudio Milar em Pelotas (RS): um ídolo.
– Essa situação deixa a gente um pouco perdido. Foi um choque. Quem trabalha com isso e tem família sente muito. Minha própria esposa fala que às vezes passa pela cabeça que pode ser que eu não volte – afirma Anderson Tomelin, fisioterapeuta que viaja com a delegação do Metropolitano nos jogos pelo Estado e país desde 2005.
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Para o pai de Tiaguinho, enquanto a deficiência visual ainda atrapalhar, os olhos que o filho queria que pudessem ver os seus feitos no futuro ficarão com lágrimas da dor. Dor por um menino, de 22 anos, que descobriu há poucos dias que teria um filho e apenas sonhava jogar futebol no Estádio do Maracanã com o pai como principal espectador.