César Nunes, o Cesinha, é gente bamba, nascido e criado no samba, filho do Morro do Céu e manezinho nato. Este simpático senhor de 57 anos, de memória afiada e conversa fácil, é um verdadeiro patrimônio cultural de Florianópolis. “Do tempo em que o mar ainda batia na Praça XV”, Cesinha tem 40 carnavais nas costas, um pouco mais tempo de amor pelo Avaí, algumas aventuras na cozinha e o sorriso no rosto de quem vive a botar o bloco na rua.
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Foi em 1976, quando ainda estudava no Instituto Estadual de Educação, que Cesinha conheceu o Carnaval. Ao som de “Os Pastores da Noite”, samba-enredo que rendeu o título daquele ano à Copa Lord, o rapaz ensaiou os primeiros passos na folia, de onde nunca mais arredou os pés.
— Quem tem amor ao Carnaval, e eu sou uma dessas pessoas, sabe que participar de um desfile é uma coisa indescritível. O sangue corre na veia, vem o suor, o calafrio, e a adrenalina vai lá em cima.
Da folia nas escolas e blocos que desfilavam na Praça XV, Cesinha tirou inspiração para começar a compor enredos. Em 1980 e em 1982, quando trabalhava na Companhia de Processamento de Dados do Estado de Santa Catarina, hoje chamada de Centro de Informática de Santa Catarina (Ciasc), compôs os enredos do bloco Cibernéticos do Samba. De lá para cá, suas letras embalaram diversos carnavais.
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— Abria um concurso, eu participava. Tive a felicidade de vencer alguns, então emplaquei enredos na Filhos do Continente (já extinta), Unidos da Coloninha, Protegidos da Princesa, Copa Lord, Amor à Terceira Idade, Bloco da Zica.
Cesinha e o carnaval de Florianópolis
Tem bruxaria espalhada pelo ar
Misticismo do folclore popular
“Si qués qués, si não qués diz”
Sou manezinho, podes ser um aprendiz
Os versos e a prosa são bons, mas Cesinha garante que seu negócio mesmo é conduzir os desfiles das escolas de samba. Diretor de Harmonia há 30 anos, sabe controlar o cronômetro como ninguém, cuidando para que o trabalho de meses seja executado com perfeição no dia do grande desfile.
— Tu te prepara ao longo de, pelo menos, três meses, para chegar em cima do desfile e a coisa dar certo em 70 minutos. Quem gosta, vai à mil, dá até calafrio. E olha que eu costumo ser um cara calmo na passarela.
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Do tempo em que o mar batia na Praça XV
Tanta tranquilidade em meio ao caos organizado que é um desfile tem razão de ser. Desde jovem participa do Carnaval, na época em que as escolas de samba ainda saíam na Praça XV de Novembro. É de um dos pontos mais icônicos da capital catarinense que vem o saudosismo de Cesinha.
— Eu peguei a época que o mar batia na rua Bocaiúva, na Praça XV. Sou desse tempo, quando ainda não tinha aquele aterro. A gente sente saudades daquele tempo, mas a evolução tem dessas coisas. A gente tem que aceitar.
E não foi só a paisagem do Centro de Florianópolis que mudou nas últimas décadas. A pescaria, tão apreciada por Cesinha em sua juventude, também já não é mais a mesma. Talvez por isso o sambista tenha deixado para lá a prática logo aos 25 anos, quando as lagostas e garoupas começaram a ficar escassas.
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— Pesquei muito mesmo, conheço várias ilhas ao redor de Florianópolis. Naquela época se pegava peixe, mas hoje em dia tu não vê mais nada. Era garoupa, lagosta. A gente sabia de cor e salteado o lugar dos parcéis, onde a lagosta e a garoupa se escondiam. Hoje em dia, peixinho só no prato mesmo — brinca Cesinha, que diz gostar mais de anchova do que de tainha.
— Mas quando se come a primeira tainha do ano, é um espetáculo! — completa.
Recanto do Guerreiro
Falando em comida, Cesinha logo se prontifica a fritar uns bolinhos. Com muito esforço, César conseguiu construir o Recanto do Guerreiro, uma área separada da casa, com churrasqueira, fogão e freezer, onde recebe os amigos para cantar samba, assistir futebol e, é claro, beliscar uns petiscos.
— Faço almôndegas recheadas com linguiça blumenau, bolinho de aipim com carne seca, churrasquinho. A gente inventa umas coisinhas — conta, tentando manter a modéstia.
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A verdade é que seus quitutes são famosos no Morro do Céu. Toda sexta-feira, no bar do amigo Caio Teixeira, Cesinha promove a noite do vinil. Só samba, que fique claro. Embalado pelos mais de 200 LPs de Martinho da Vila, Noel Rosa, Originais do Samba, Demônios da Garoa, Mangueira, Salgueiro, Portela e o que mais tiver repique, tamborim e bumbo, Cesinha cozinha para a rapaziada.
— Há seis anos, a gente faz a Sexta do Vinil. O Caio vende a cerveja, a gente toca o samba na vitrola e eu faço os petiscos. Tem dobradinha, almôndega, pasteizinhos. Tem também o mocotó, que é uma comida muito apreciada pelos sambistas, mas aí só na época do inverno. Tem até um pessoal do jornal Hora que vai muito ali — conta, delatando os colegas da redação.
Avaí, Pelé e Bulgária
No Recanto do Guerreiro, além dos troféus das conquistas no Carnaval, flâmulas do Avaí e do Flamengo enfeitam as paredes. Cesinha se esquiva dizendo que “todo manezinho também tem um time do Rio de Janeiro” e garante que seu amor mesmo é o Avaí. Torcedor de carteirinha, assistiu a quase todos os jogos do Brasileirão deste ano, mas o que não sai de sua memória são dois jogos históricos.
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— Teve um jogo em 1970 que está na minha memória até hoje. Naquele ano, o time do Avaí era conhecido com o “Azulão 70”, porque o uniforme era todo azul. O jogo inesquecível foi contra seleção da Bulgária, que tinha disputado a Copa do Mundo de 1970, que o Brasil havia sido campeão. O Avaí empatou em 0 a 0 — lembra Cesinha.
A outra partida foi ainda mais memorável. Em 15 agosto de 1972, o Santos de Pelé veio enfrentar o Avaí em partida amistosa no antigo estádio Adolfo Konder, onde hoje é o shopping Beiramar. Foi a primeira e única ocasião em que o Rei do Futebol jogou futebol em Santa Catarina. Filho de um dirigente da Federação Catarinense de Futebol, o Carlito Nunes, Cesinha conseguiu assistir o jogo de uma posição privilegiada.
— Eu tinha 12 anos. Meu pai deu uma forcinha e eu assisti o jogo sentado em cima da bola, dentro do campo, ao lado do banco de reservas do Avaí. Foi 2 a 1 para o Santos e lembro que o gol do Avaí foi do centroavante Lica.
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Quarenta e cinco anos depois desta partida, Cesinha está com duas angústias no coração: a primeira é saber se o Avaí permanecerá na Série A do Campeonato Brasileiro. A segunda é se vai ter desfile das escolas de samba em 2018.
Se der tudo certo, Cesinha termina o ano cantando e dançando, como se a vida fosse um eterno Carnaval.