Ao menos 200 trabalhadores foram resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha na quarta-feira (22). De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), eles eram funcionários de uma empresa que tinha contratos com diversas vinícolas da região. Uma pessoa foi presa durante a operação. As informações são do g1 e da gaúcha ZH.
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O caso foi descoberto após três trabalhadores procurarem a unidade operacional da polícia em Caxias do Sul depois de fugirem do alojamento em que eram mantidos contra a vontade deles. Segundo a PRF, eles, que na maioria eram da Bahia, foram contratados para atuar na colheita da uva.
O dono do estabelecimento, de 45 anos, foi preso em flagrante e encaminhado para Bento Gonçalves. Segundo a Polícia Federal, a empresa dele tinha contrato com diversas vinícolas da região serrana, que também serão investigadas.
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Confira a seguir o que se sabe sobre o caso:
Como o caso foi denunciado?
Segundo a PRF, três trabalhadores procuraram a unidade operacional de Caxias do Sul e contaram que tinham fugido de um alojamento no qual eram mantidos contra a vontade deles. A equipe, então, entrou em contato com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a Polícia Federal, que foram até o local e confirmaram a situação.
O que acontecia no local?
Conforme a denúncia, a maioria dos trabalhadores era da Bahia. Eles eram recrutados para trabalhar no Rio Grande do Sul com a promessa de receber mais de R$ 3 mil, além da acomodação e alimentação. Mas, ao chegar no local, encontravam uma situação diferente daquela prometida pelos empregadores.
Os relatos falam em atrasos nos pagamentos dos salários, violência física, longas jornadas de trabalho e oferta alimentos estragados. Os trabalhadores também contaram que eram coagidos a permanecer no local. Caso o contrário, eles tinham que pagar uma multa por quebra do contrato.
Ainda segundo o MTE, os funcionários também relataram casos com choque elétrico e spray de pimenta.
— Alguns diziam que tinham recebido um adiantamento, mas nunca tiveram pagamento do que foi prometido. Em contrapartida, tinham essa indicação: ‘vai lá e compra no mercadinho que te vende fiado’, e esse mercadinho praticava preços elevados. Foi identificado um saco de feijão a R$ 22. O empregado ficava sempre devendo e não conseguia sair sem pagar a conta, não recebia o salário e ficava essa situação, de ficar preso no local por conta da dívida. Isso foi uma das coisas que caracterizou o trabalho escravo, além dessa história das agressões. Nossa fiscalização apreendeu no local uma máquina de choque elétrico e spray de pimenta que era usado contra os empregados que reclamavam da situação. É uma situação escandalosa de tratamento das pessoas — explicou Vanius Corte, gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego ao g1.
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Alguém foi preso?
O dono da empresa, de 45 anos, foi preso e encaminhado à delegacia da Polícia Federal em Caxias do Sul e, depois, transferido para um presídio em Bento Gonçalves.
Nesta quinta-feira (23), segundo o g1, ele foi liberado após pagar uma fiança de cerca de R$ 40 mil.
As vinícolas serão penalizadas?
Em entrevista à Rádio Gaúcha, o gerente regional do MTE, Vanius Corte, afirmou que as vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi, onde os trabalhadores atuavam, podem ser responsabilizadas pelo pagamento dos direitos trabalhistas dos homens.
Segundo ele, isso pode acontecer caso o contratante original não faça a quitação. Isso ocorre porque as empresas têm responsabilidade subsidiária em relação aos trabalhadores que prestaram serviços mesmo sendo contratados por terceiros. Nesse caso, a responsabilização seria financeira e não haveria processo criminal contra elas. (confira a nota das empresas abaixo)
Ele explica, ainda, que as empresas foram incluídas pois tem a obrigação de fiscalizar quem são as pessoas contratadas de forma terceirizada. Corte diz que os produtores rurais que tiveram relação com o agenciador também devem ser investigados.
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O que acontece agora?
Segundo o MTE, cada caso será analisado individualmente a fim de buscar a devida compensação a cada trabalhador.
A pena por submeter alguém a trabalho escravo ou condição análoga a escravidão é de cinco a dez anos, além da aplicação de multa.
O que dizem as vinícolas:
Aurora
“NOTA À IMPRENSA
A Vinícola Aurora se solidariza com os trabalhadores contratados pela empresa terceirizada e reforça que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão.
No período sazonal, como a safra da uva, a empresa contrata trabalhadores terceirizados, devido à escassez de mão-de-obra na região. Com isso, cabe destacar que Aurora repassa à empresa terceirizada um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas.
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Além disso, todo e qualquer prestador de serviço recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e janta.
A empresa informa também que todos os prestadores de serviço recebem treinamentos previstos na legislação trabalhista e que não há distinção de tratamento entre os funcionários da empresa e trabalhadores contratados.
A vinícola reforça que exige das empresas contratadas toda documentação prevista na legislação trabalhista.
A Aurora se coloca à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos.”
Salton
“A empresa não possui produção própria de uvas na Serra Gaúcha, salvo poucos vinhedos situados junto a sua estrutura fabril que são manejados por equipe própria. Durante o período de safra, a empresa recorre à contratação de mão de obra temporária. Estes temporários permanecem em residências da própria empresa, atendendo a todos os critérios legais e de condições de habitação. A empresa ainda recorre, pontualmente, à terceirização de serviços para descarga. Neste caso, o vínculo empregatício se dá através da empresa contratada com o objetivo de fornecimento de mão de obra. No ato da contratação é formalizada a responsabilidade inerente a cada parte. Neste formato, são 7 pessoas terceirizadas por esta empresa em cada um dos dois turnos. Estas pessoas atuam exclusivamente no descarregamento de cargas. Através da imprensa, a empresa tomou conhecimento das práticas e condições de trabalho oferecidas aos colaboradores deste prestador de serviço e prontamente tomou as medidas cabíveis em relação ao contrato estabelecido. A Salton não compactua com estas práticas e se coloca à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo.”
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Cooperativa Garibaldi
“Nota à imprensa
Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi esclarece que desconhecia a situação relatada.
Informa, ainda, que mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia.
Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado.
A Cooperativa aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes.
Somente após a elucidação desse detalhamento poderá manifestar-se a respeito.
Desde já, no entanto, reitera seu compromisso com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos.”
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