O caso do desembargador catarinense Jorge Luiz de Borba, suspeito de manter uma mulher em situação análoga à escravidão, ainda segue em investigação uma semana após a operação que cumpriu mandados na casa dele em Florianópolis. A mulher, que é surda e muda, foi resgatada do local na sexta-feira (9) e encaminhada a um abrigo destinado a vítimas de violência. No entanto, a família do magistrado tenta na Justiça garantir o retorno da mulher ao lar, ao mesmo tempo que nega as acusações.
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A investigação teve início em novembro de 2019, mas a operação contra Borba ocorreu apenas no último 6 de junho. Agentes da Polícia Federal, em apoio ao Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), estiveram no imóvel do desembargador para cumprir um mandado de busca e apreensão após as suspeitas de que ele mantinha a mulher em condição análoga a escravidão.
Conforme a denúncia, a suspeita era de “trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes”, além de que ela não tinha instrução formal ou possuía convívio social. Algo que o desembargador rebate, dizendo que ela foi acolhida pela família em um “ato de amor”.
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O NSC Total reuniu os detalhes da denúncia e os próximos passos da investigação. Confira:
Quem é a vítima?
A mulher tem 50 anos e teria chegado a casa do desembargador ainda na adolescência. De acordo com o MPT, ela foi retirada de um abrigo de crianças de São Paulo pela sogra do desembargador aos nove anos. Na adolescência, ela foi entregue ao casal e passou a conviver com a família, na mesma época em que a primeira filha dos investigados nasceu.
Antes de 2021, a mulher tinha apenas a certidão de nascimento como documento oficial. Só após essa data ela passou a ter CPF, plano de saúde, RG e título de eleitor em 2021, também conforme explica o MPT.
A Promotoria afirma, ainda, que a mulher apenas se comunicava por meio de gestos simples, que apenas era compreendido por quem convivia com ela. Ela nunca teve instrução formal, não sabe ler ou escrever, e nunca foi alfabetizada em Libras.
Quem são os investigados?
Os investigados pela prática são o desembargador Jorge Luiz de Borba e a esposa dele, Ana Cristina Gayotto de Borba. O magistrado é especializado em Direito do Trabalho pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb).
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Quando surgiram as denúncias?
As denúncias sobre o caso iniciaram em novembro. Testemunhas relataram que a mulher dormia nas dependências de empregadas na casa do casal. Além disso, ela costumava fazer as refeições na cozinha, junto de demais empregados da casa.
Conforme os depoimentos, ela realizava tarefas domésticas sem receber salários nem direitos trabalhistas, como arrumar camas, passar roupas e lavar louças.
O MPF divulgou, ainda, que a mulher também seria vítima de maus-tratos por conta das condições materiais em que vivia e “em virtude da negativa dos investigados em prestar-lhe assistência à saúde”.
O que aconteceu com a mulher?
Na sexta-feira (9), a mulher foi resgatada do local e foi acolhida por uma entidade que presta assistência social e psicológica. Ela deve ser inserida em entidade filantrópica especializada na alfabetização e socialização de pessoas surdas e mudas. O objetivo é de que ela possa interagir com outras pessoas, além de se comunicar em libras.
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Quais os próximos passos da investigação?
O MPT e a Defensoria Pública da União (DPU) poderão propor um termo de ajuste de conduta (TAC), além de cobrar o pagamento de dívidas trabalhistas em conjunto com os Auditores-Fiscais do MTE e ajuizar ação civil pública em caso de recusa de assinatura de TAC.
A ideia é de que o MTE emita os autos de infração e libere as guias para que a mulher receba três parcelas de seguro-desemprego. Ela também poderá inserir o desembargador no cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão, conhecida como “lista suja”. Os documentos serão encaminhados ao MPF, que seguirá com as investigações. O processo segue em segredo em Justiça.
Desembargador chora em sessão do TJ-SC: “A maldade foi feita”
O que diz o desembargador?
O desembargador nega que tenha cometido crimes e manifestou inconformismo em comunicado à imprensa. Ele disse ainda ter acolhido ela como uma familiar há mais de 30 anos, tratando o caso suspeito de trabalho análogo à escravidão como, na verdade, “um ato de amor”.
No domingo (11), ele divulgou novo comunicado, desta vez assinado em conjunto com toda a família, em que diz que irá entrar com um pedido judicial para o reconhecimento da filiação afetiva dela, com concessão de todos os direitos hereditários. O documento foi assinado nesta segunda-feira (13).
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No texto, ele diz que a pessoa convive há anos com a família e jamais teriam praticado ou “tolerariam que fosse praticada tal conduta deletéria, ainda mais contra quem sempre trataram como membro da família”.
O magistrado ainda diz na nota que acatará toda as sugestões do poder público para beneficiar o desenvolvimento da mulher. Além disso, ele explica que irá colaborar com as investigações em todas instâncias “para que não remanesçam dúvidas sobre a situação de fato existente” em relação a mulher “seja para que as investigações avancem com brevidade a fim de permitir a retomada da convivência familiar”.
O que diz o TJSC?
Durante sessão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) na quarta-feira (7), bastante emocionado, Borba falou pela primeira vez sobre o caso:
— Continuo de cabeça erguida, vou em frente. A maldade foi feita, tudo bem. Não choro por mim, choro pela minha família, meus filhos, meus netos.
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Além disso, o magistrado emendou: “Vocês podem ficar certos que não fiz nada de errado”. Ao final, falou em “maldade pura, vindita pessoal”.
Ainda durante a sessão, o presidente do TJ-SC, João Henrique Blasi, defendeu o colega. Blasi entrou no mérito da operação do MPF ao dizer que a mulher é uma “moça acolhida desde os 11 anos, convivendo familiarmente, como mais um filho da família”. O presidente do TJ-SC afirmou que “temos a absoluta certeza de que a verdade haverá de prevalecer e a Justiça será feita”.
Por nota, o TJ reafirmou a presença do desembargador na sessão, dizendo que ele “prestou os esclarecimentos devidos aos seus pares, reiterando o asseverado por ele, em nota pública”. Alegou, ainda, que a apuração dos fatos “por força de disposição constitucional, cabe ao STJ e ao CNJ”.
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